A dinâmica do Direito Administrativo é bastante complexa.
Olhando para o grande número de competências e atribuições de determinado
órgão, nem sempre é fácil para os agentes desempenhar todas as tarefas que lhe
competem por lei. Tendo isto em vista, criou-se a chamada delegação de poderes
que, como o próprio nome indica, consiste, em termos latos, numa delegação de
competências para praticar determinados actos. Esta figura está consagrada no
actual Código do Procedimento Administrativo (adiante CPA), regime que será em
princípio alterado pelo projecto de novo CPA. Esta alteração irá ser analisada
adiante.
A definição dada acima carece de maior aprofundamento. A
doutrina oferece várias hipóteses de definição deste conceito. O Prof. Freitas
do Amaral define a delegação de poderes como sendo “o acto pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para
decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão
ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria” (definição
baseada no Art. 35º, nº1 do CPA). Por sua vez, os Professores Marcelo Rebelo de
Sousa e André Salgado de Matos adoptam uma visão similar sobre a delegação de
poderes, acrescentando também que esta pode ser vista como uma relação jurídica
interorgânica que consiste na atribuição de poderes funcionais a ambos os
órgãos envolvidos.
A nossa definição não diverge muito das definições acima
apresentadas, sendo assim o acto jurídico
pelo qual o órgão normalmente titular de determinada competência legitima, nos
termos da lei, que outro órgão ou agente exerca essa mesma competência. Achamos
também que a ressalva dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado
de Matos é justificada, pois este acto estabelece efectivamente uma relação
jurídica duradoura, que produz os seus efeitos continuamente, não sendo os
efeitos do acto limitados a uma mera transferência duma competência, estendendo-se
também à criação duma relação jurídica que perdura enquanto a delegação de
poderes perdurar.
A escolha do título explica-se facilmente. Afinal, a
delegação de poderes, sendo uma modalidade de desconcentração administrativa,
serve um propósito de facilitar o Direito Administrativo e de fazer a
Administração mais eficiente e mais célere nos seus trâmites, tendo em conta
que uma delegação de tarefas mais morosas e demoradas, assim como uma divisão
lógica do trabalho poderão facilitar a tarefa dos agentes administrativos.
Claro que a desconcentração também traz alguns inconvenientes, como a
possibilidade da unidade da acção administrativa ser posta em causa devido à
proliferação dos centros de decisão (no fim de contas, quanto mais agentes
tiverem a possibilidade de decidir, maior será a hipótese de não ser conseguida
uma unidade na acção administrativa). No entanto, consideramos que as vantagens
são consideravelmente superiores às eventuais desvantagens. Eis o porquê do
Direito Administrativo não ser o mesmo sem a figura da delegação de poderes,
uma figura que facilita duma forma avassaladora a função administrativa acaba
por assumir um papel central no que toca a assegurar a eficiência da mesma.
O regime do projecto do
novo CPA relativamente à delegação de poderes ( consagrado no seu artigo 44º)
tem largas semelhanças com o anterior regime, excepto no que toca à
imputabilidade dos actos delegados. O número 4 do Artigo 44º do projecto do novo CPA refere que “Os
atos praticados ao abrigo de delegação ou subdelegação de poderes valem como se
tivessem sido praticados pelo delegante ou subdelegante.”
Ou seja, se no regime actual os actos delegados são imputáveis ao
delegado, no projecto do novo CPA os actos delegados são imputáveis
directamente ao delegante. Que consequências é que isto acarreta?
Por um lado, é uma alteração que pode ter várias consequências
positivas para o ordenamento jurídico português. Uma responsabilização do
delegante pode servir um propósito duma “responsabilização solidária”, na
medida em que o delegante também será responsável pelos actos praticados ao
abrigo duma delegação de poderes. Por sua vez, isto irá provocar uma maior
ponderação no acto de delegação de poderes. Ou seja, ao invés de “empurrar” a
responsabilidade relativamente a determinada matéria a um delegado, o delegante
irá reflectir duas vezes antes de delegar o acto, até porque tendo em conta que
ele será responsabilizado pelos actos delegados, irá escolher um delegado que
lhe dê garantias acerca do cumprimento correcto dos objectivos pretendidos pela
delegação de poderes. A delegação de poderes deixará de ser um acto cujo
(potencial) propósito é criar um “bode expiatório” administrativo, e passará a
estar mais perto do seu propósito original de fazer a administração mais
eficiente, em vez de ser um mecanismo de isenção de culpa.
Por outro lado, esta responsabilização do delegante poderá ser
perigosa. Uma responsabilização solidária poderá responsabilizar o delegante
por um acto no qual ele não interveio (ou, se interveio, terá sido para dar
instruções laterais relativamente à execução dos actos delegados). Assim,
sabendo que está isento de qualquer responsabilidade, o delegado poderá
potencialmente praticar actos delegados sem o rigor que lhe é exigido para tal,
ou até com dolo.
Não há uma conclusão específica a tirar deste regime, especialmente
porque ainda não se encontra em vigor. Apenas a experiência legislativa nos
poderá dizer (caso este regime venha a entrar em vigor) se as vantagens superam
os contratempos, ou vice-versa.
Existe, no entanto, uma alternativa para que os possíveis contratempos
do novo regime possam trazer. Olhando para o novo regime da delegação de
poderes, é possível estabelecer paralelos com o instituto de Direito Privado, a
representação. Neste instituto, os actos do representante valem como se
tivessem sido praticados pelo representado, de maneira semelhante ao regime
proposto para a delegação de poderes. Pensamos que daqui se podem extrair
alguns instrumentos úteis: a responsabilidade do representante é tutelada de
várias maneiras pelo Código Civil, de modo análogo, a responsabilidade do
delegado também deveria ser tutelada de modo a que os contratempos acima
enunciados sejam reprimidos ou eliminados.
Miguel Mota
(140112010)
(140112010)
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