Na fase do Estado Liberal, ao contrário de outros estados como França, Itália e Portugal, o Reino Unido e outros países do sistema anglo-saxónico tinham ficado à margem da tentativa de superação dos ''traumas de infância difícil'' da administração. Isto justificava-se não só pela ausência de uma lógica de ruptura revolucionária, mas também por não existir uma concepção de Estado, isto é, as revoluções que se deram foram integradas no sistema sob uma lógica de continuidade e, deste modo, não houve necessidade de recorrer à ideia de Estado, visto que: os poderes consideravam-se separados, autónomos e independentes; controlavam-se uns aos outros e claro, a Coroa correspondia a uma ideia de autoridade e de poder. Se as pessoas ou a comunidade se regiam pela Common Law, não havia nem a necessidade da existência de direito administrativo, nem da criação de tribunais administrativos.
Curioso é o facto de que, ao contrário do que acontece em França, só no Estado Social é que surgem, e Inglaterra, os «pecados originais» do direito administrativo, assim como a tentativa e lógica de superar os ''traumas'' da administração.
É deste modo que no Reino Unido começam a surgir normas que regulam as condições de prestação de trabalho, segurança social, intervenção do Estado na economia ,(...) e vai surgindo também um conjunto de normas não aplicáveis já aos particulares, mas aos órgãos de direito administrativo. Dá-se o aparecimento do Direito Administrativo em Inglaterra, onde a fonte principal deixa de ser o costume, dando lugar à lei. E logo nos primórdios do século XX, se pode considerar, não apenas, que há Direito Administrativo no Reino Unido como se começa a estudar este ramo de direito entre os anos 10 e 20 do século.
É também nesta altura que surgem, no Reino Unido, os Tribunals, não como tribunais mas como órgãos administrativos, detentores de poderes que se podem considerar copiados do modelo Francês:
- Poderes de auto tutela enquanto poder de executar as suas decisões sem necessidade de recorrer a Tribunais superiores;
- Actuação que se pretende substituta da dos tribunais, porque estes decidem litígios.
Verifica-se assim, no século XX, que estes órgãos surgem acompanhados de poderes de auto tutela e decisão, consumando-se então uma efectiva promiscuidade entre a administração e a justiça que estava já a desaparecer no sistema de direito Francês.
Interessante é verificar que, ao mesmo tempo que surge a dita promiscuidade no sistema britânico, aparece também a ideia de que, na verdade, não deve ser assim e que, última palavra, a decisão máxima, deve sempre pertencer a um tribunal («court»). Afirmando-se assim um princípio de atribuir a última decisão a um tribunal («court»), mesmo quando exista um Tribunal.
Conclui-se assim que, no sistema britânico, similarmente aos outros países correspondem as ideias de tentativa de superação dos traumas da administração e de «baptismo»
Já no período do «crisma ou confirmação», surge no Reino Unido, a ideia de um princípio constitucional integrante da sua Constituição Material, segundo o qual a última palavra em Direito Administrativo deve ser atribuída ao Tribunal Constitucional, que se traduz no entendimento de uma actuação administrativa baseada na Constituição e que, mesmo na ausência de lei os princípios constitucionais devem ser respeitados. É de notar que esta evolução decorre de um das sub fases do período do «crisma», nomeadamente de uma fase datada dos anos 70 e 80 do século XX, donde uma Constitucionalização do Direito Administrativo, caracterizada pelo Contencioso Administrativo como um verdadeiro tribunal e juiz como todos os outros, gozando de plenitude de poderes perante a administração.
Existe então uma realidade de dupla dependência entre Constituição e Administração num quadro de uma lógica de Direito Constitucional Concretizado: verbalização ao nível constitucional desta realidade cultural de transformação do Direito Administrativo e reconhecimento deste como um ramo de direito igual a todos os outros, com consequente descaracterização de uma administração toda poderosa para uma administração que estabelece uma lógica relacional entre os direitos e deveres dos particulares e administração tanto como uma finalidade nova para o Contencioso Administrativo - não a de proteger a administração, mas sim a tutela dos particulares no quadro das relações jurídicas administrativas.
E embora muitos autores considerem que, em Inglaterra, não existe Direito Administrativo ou sequer tribunais administrativos, isto não é verdade. Existe já um tribunal administrativo - Administrative Court - que passo já de seguida a caracterizar, mas antes quero deixar a ''prova viva'' de que este tribunal realmente existe: http://www.justice.gov.uk/courts/rcj-rolls-building/administrative-court .
« Administrative Court »
O Administrative Court desenvolve um trabalho variado que vai desde a jurisdição da lei administrativa a uma supervisão dos tribunais inferiores, os chamados Tribunals enquanto órgãos da administração e não verdadeiros tribunais. Esta jurisdição supervisora é feita especialmente através de revisão judicial de procedimentos, cobrindo os todos os órgãos e pessoas que exerçam na função pública ,traduzindo assim, um grande campo de aplicação e jurisdição.
A revisão judicial deste tribunal pode cair sobre vários tipos de decisão, entre eles:
- sobre o exercício das autoridades locais de modo a gerar não só benefícios, mas especialmente educação para as crianças com necessidades particulares;
- sobre as decisões da Autoridade de Imigração e sobre a Autoridade de Apelo à Imigração;
- sobre as decisões dos órgãos reguladores, e
- sobre decisões relacionadas com os direitos dos prisioneiros/reclusos.
O trabalho do Administrative Court é dividido entre Tribunais de um só juiz (Single Judge Courts) e Tribunais com pelo menos dois juizes (Divisional Courts), que normalmente consiste numa mesa composta pelo Lord Justice of Appeal e pelo Juiz do Supremo Tribunal.
Assim, e de modo mais específico, os tipos de casos existentes são:
- Revisão Judicial - abrange, como já foi dito, as decisões dos tribunais inferiores ou Tribunals, bem como dos órgãos e funcionários públicos; mas também de processos criminais quando advenham de decisões dos Tribunais de Magistrados ou do Tribunal da Coroa, desde que, dentro da sua capacidade de apelo;
- Recursos e aplicações estatuárias - baseia-se num direito que é atribuído a certos estatutos para que possam desafiar as decisões provenientes de ministros, governo local ou Tribunals;
- Apelos por meio de casos já firmados - recurso contra as decisões dos tribunais de Magistrados ou do Tribunal da Coroa, maioritariamente relativos a matéria criminal;
- Pedidos de Habeas Corpus;
- Pedidos de comprometimento por desacato;
- Pedidos provenientes de uma Ordem para impedir um litigante vexatório de instaurar ou prosseguir uma acção judicial sem permissão de um juiz;
- Pedidos acerca da Coroners Act 1988.
- Pedidos de comprometimento por desacato derivados de violação ou desprezo em relação a processos penais (excepto quando se trate de desobediência a ordens ou seja um caso proveniente de uma «face of the court»); em relação a processos em tribunais inferiores; quando o tribunal se comprometa em não estar presente em processos feitos a pedido do Tribunal Disciplinar Law Society;
- Questões relativas a eleições parlamentares do governo ou a eleições locais que estejam sob representação do People Acts.
As matérias usualmente e em geral ouvidas pelo Divisional Court são então:
- Pedidos de revisão judicial no tocante a causas ou matéria criminais;
- Pedidos de abandono dos casos de matéria criminal, isto é, quando um juiz singular pede ou se recusa a julgar estes casos;
- Pedidos para desafiar decisões do Tribunal da Coroa ou dos Magistrados, relativamente a casos de matéria criminal já firmados.
Finalmente, todos os restantes casos são, normalmente, ouvidos pelo Single Judge Court do Administrative Court.
Autora: Beatriz Pereira Valério Jorge Pimenta
Nº de aluno: 140112049
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