segunda-feira, 31 de março de 2014

Debate: sistema administrativo Britânico e Francês

O objectivo desta publicação é resumir a exposição feita em defesa do sistema administrativo britânico no âmbito do debate em que foram confrontados os sistemas britânico e francês.


Em primeiro lugar, cabe assinalar as características essenciais do sistema administrativo em análise:


  • Separação de Poderes: Do ponto de vista da consagração do princípio da Separação de Poderes, o modelo britânico, através da abolição da Star Chamber e mediante o Act of Settlement, conseguiu que o Rei fosse impedido de resolver questões de natureza contenciosa e fosse proibido de dar ordens aos juízes, transferi-los ou demiti-los.
  • Estado de Direito: Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos foram consagrados ainda no século XVII - “ Bill of Rights” (1689). O Rei ficou subordinado ao Direito consuetudinário, resultante de costumes sancionados pelos tribunais. O “ Bill of Rights” determinou que o direito comum seria aplicável a todos os ingleses sem excepção, assegurando assim essa Instituição jurídica.
  • Sujeição da administração aos Tribunais Comuns: os litígios que surjam entre as entidades administrativas e os particulares não são, em regra, da competência de quaisquer tribunais especiais, entram na jurisdição normal dos tribunais comuns. São dadas soluções iguais aos problemas da Administração Pública a aos problemas da vida privada.
  • Subordinação da Administração ao Direito Comum: Todos os órgãos e agentes da Administração Publica, estão submetidos ao direito comum, o que significa que por via de regra não dispõem de privilégios ou de prerrogativas de autoridade pública. O rei, os outros órgãos da Administração Central e os municípios estão todos, como os particulares, subordinados ao direito comum, há sim, um controlo jurisdicional por parte dos "courts of law".
  • Execução judicial das decisões administrativas: no sistema administrativo de tipo britânico a Administração Publica não pode executar as suas decisões por autoridade própria. Se um órgão da Administração toma uma decisão desfavorável a um particular e se o particular não acata voluntariamente, esse órgão não poderá por si só empregar meios coercivos para impor o respeito da sua decisão: terá de ir ao tribunal (comum). As decisões unilaterais da Administração não têm força executória própria, não podendo por isso ser impostas pela coacção sem previa intervenção do poder judicial.
  • Garantias jurídicas dos Particulares: os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contra as ilegalidades e abusos da Administração Publica. O particular cujos direitos tenham sido violados pode recorrer a um tribunal superior (King`s Bench), solicitando um «mandado» ou uma «ordem» do tribunal à autoridade para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Os tribunais comuns gozam de plena jurisdição: Papel Preponderante exercido pelos Tribunais.


Expostos aqueles que são os pontos fulcrais que de um modo geral caracterizam o sistema administrativo de tipo britânico, cabe assinalar que se podem estabelecer, à partida, aspectos comuns a ambos os sistemas, nomeadamente o princípio da separação de poderes, cuja diferença entre os dois sistemas se explica pelas diferentes "leituras" e interpretações que cada Estado fez, pelo menos numa fase inicial. Em seguida, é necessário reconhecer a aproximação cada vez maior dos dois sistemas, fruto de uma influência recíproca. Pode afirmar-se que o sistema francês adoptou uma grande medida de "lições" do sistema britânico, em especial no tocante ao progressivo reforço das garantias dos particulares perante a administração pública, assim como o modelo britânico preconizou aquilo a que se pode chamar de "dualidade jurisdicional", (executada primariamente pelo sistema francês) essencialmente através dos "Tribunals" na medida em que funcionavam como órgãos administrativos dotados de poderes semelhantes aos tribunais franceses de primeira instância, que asseguravam desde logo a tal "dualidade de jurisdições" enquanto que paralelamente continuava a existir a instância superior que assegurava a "unidade de jurisdições, o dito "High Court". Abstractamente falando podemos referir de certa forma uma simbiose jurídica entre estes dois modelos administrativos que, reciprocamente colmataram as lacunas jurídicas e consequentemente ultrapassaram a respectiva "senilidade" e "infância difícil", e se, de algum modo essa convergência entre os dois modelos administrativos se veio a verificar, a "sede" por uma uniformização do Direito, em virtude das normas e directivas, emanadas pela União Europeia acabou por colocar um último prego na tábua da tal convergência.

O ponto da discussão que levanta a maior polémica está relacionado com a dualidade de jurisdições e com o fenómeno da especialização. No que concerne à defesa do sistema britânico, defendemos que a actual unicidade de jurisdições relativa à instância superior continua a ser mais benéfica do ponto de vista das garantias dos particulares pois assegura uma maior imparcialidade na apreciação dos conflitos entre a administração e os particulares, sendo que neste modelo se exprime verdadeiramente a máxima do "rule of law", pelo que se justifica competência dos tribunais comuns relativamente à actuação da administração. No âmbito da mesma problemática, a equipa contrária afirma que a dualidade de jurisdições não afecta a imparcialidade do julgamento dos litígios administrativos e que proporciona a vantagem acrescida de assegurar a especialização dos tribunais. Acrescentam que tal especialização só pode ser benéfica uma vez que contribui para o amadurecimento científico do direito administrativo e que  permite aliás desenvolver uma maior protecção das garantias dos particulares resultante da celeridade do processo administrativo. Quanto a este ponto, não concordamos com a posição defendida: se é verdade que a especialização contribui para o desenvolvimento científico do direito administrativo e que de facto confere uma solução aos conflitos num espaço de tempo mais curto, nada disto é verdadeiramente sinónimo de uma garantia dos direitos dos particulares em termos absolutos. Afirmar-se que um determinado sistema é mais célere na resolução de questões jurídicas em termos de "ritmo" do processo não é o mesmo que afirmar que esse mesmo sistema oferece melhores garantias do ponto de vista material; e, na nossa opinião, nesse mesmo aspecto o sistema britânico continua a assegurar uma protecção efectivamente superior, mantendo uma jurisdição unitária no que toca às instâncias superiores. 


Pedro Pereira, Nº 140112026
Manuel Protásio, Nº 140112020
Beatriz Pimenta, Nº 140112049
Matilde Barroso, Nº 140112036
Miguel Mota, Nº 140112010




terça-feira, 25 de março de 2014

UMA OMELETE DE CONCEITOS INDETERMINADOS - "Alourar" não é o mesmo que "estorricar"

O poder discricionário e o poder vinculado da Administração não sãoconceitos isolados, isto é, não há actos exclusivamente discricionários nem vinculados, uma vez que a norma deixa sempre uma maior ou menor margem de interpretação/decisão à administração. Tal como acontece quando se cozinha a omelete da quinta, quando a norma impõe que se utilizem 30 gramas de manteiga, o “legislador” deixa ao cozinheiro espaço para que este escolha que tipo de manteiga vai usar, ou seja está dentro do poder discricionário optar pela marca x ou y, mas já seria um acto ilegal utilizar azeite por exemplo. Por outro lado, quando o legislador impõe ao cozinheiro que este utilize uma fatia de pão caseiro de 1,5cm está a encurtar-lhe a margem de interpretação o que permite perceber que a regulamentação legal da actividade administrativa umas vezes é precisa, outras vezes é imprecisa. Desta forma, temos casos de actos vinculados e casos de actos discricionários – vinculação e discricionariedade são, assim, as duas formas típicas pelas quais a lei modela a actividade da Administração Pública. Contudo, em bom rigor, quase todos são simultaneamente vinculados e discricionários como demonstraremos de seguida. O cozinheiro ao seguir a receita tem de cortar o presunto em pequenos cubos, deparando-se aqui com o conceito indeterminado “pequenos”. Esta incerteza quanto ao conceito importa escolhas por parte do cozinheiro. Mais uma vez, o “legislador” deixa esta interpretação ao critério do cozinheiro. Existe discricionariedade. O mais importante na omelete são os ovos. Se o cozinheiro usar ovos de codorniz já estaria a cometer uma ilegalidade? Possivelmente, pois a receita atribui ao cozinheiro a competência de fazer a omelete que tem como requisito necessário para a sua formalização usar ovos de galinha, pois os de codorniz não produzem o resultado de omelete. E quando é necessário “bater os ovos”, mas não se diz quanto tempo? Neste caso, é deixada uma margem de escolha ao cozinheiro, mais uma vez há escolhas que são da responsabilidade do “cozinheiro”. Apenas arriscaria a cometer uma ilegalidade enquanto entidade administrativa se não cumprisse “a receita”. A lei é assim cumprida se a receita concretizada tiver como resultado uma omelete saborosa e comestível sob pena de ilegalidade. As questões que se colocam a um jurista ou ao cozinheiro são uma  “realidade continuada”, desde o momento em que se começa a interpretar o conteúdo da lei / receita, até ao momento da aplicação dessas normas à realidade (é preciso fazer  escolhas entre as alternativas juridicamente admissíveis, saber se a realidade se adapta à norma e, por fim, decidir). Assim, no que toca à discricionariedade, a doutrina dominante (moderna) fala apenas sobre uma margem de apreciação e decisão, mas o Prof. VPS inclui a margem de interpretação que é fulcral, nomeadamente, na interpretação de conceitos indeterminados. No final da receita, o sal e pimenta “a seu gosto” é um conceito indeterminado que dá azo a interpretações diversas, no entanto, o prato tem de estar comestível sob pena de ilegalidade. Assim não releva se foi a Nigela ou o Jamie Oliver a prepará-lo, pois isso está dentro da margem de livre interpretação da receita, o que importa é que o produto final seja saboroso.
Uma coisa é certa e tem vindo a ser entendida: a competência é sempre vinculada, mesmo nos actos com mais margem de discricionariedade, bem como o fim do acto (necessidades públicas). Quando haja um desvio de fim, há lugar a uma ilegalidade. É-nos apresentado o caso da enfermeira Maria da Conceição - caso de uma troca de bebes na maternidade Alfredo da Costa. O director da maternidade achou que era preciso inverter a "má reputação" da maternidade e quis satisfazer a opinião pública, decidindo despedir a enfermeira não por ter trocado os bebés, mas por ter comportamentos inadequados que podem justificar punições. Mas Maria da Conceição foi expulsa excessivamente. O modo como o tribunal regulou a sanção, foi que os delitos cometidos justificariam suspensão ou outras punições mais “leves”, mas nunca uma sanção máxima como a expulsão (desproporção). Anulou a decisão por entender que havia uma violação do fim para o qual esse poder de punição era atribuído. Portanto, a discricionariedade não é total (quando se fala em actos discricionários pensa-se em actos predominantemente discricionários).
Este processo é ainda condicionado e orientado por ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a AP (igualdade, proporcionalidade, imparcialidade), estando assim o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público. Assim não pode o cozinheiro (administração) optar por utilizar a marca x de manteiga, porque é o primo quem a fabrica pois isso violaria o principio da imparcialidade. A lei, ao conferir a determinado órgão um poder discricionário espera que, depois de analisadas as circunstâncias concretas e de respeitados os princípios gerais, seja perfilhada a escolha que o órgão administrativo tiver por ajustada.

Maria Joana Navarro Moreira 140112139
Mariana Castelo Branco 140112121
Carolina Gonçalves 140112042

O Princípio do Interesse Público - Um prato Gourmet sob a aparência de Tapas

Para chegar ao ponto de debate a que me proponho interessa começar por definir o conceito básico de toda esta exposição: o interesse público. Afinal, o que é realmente o interesse público? Será o interesse de todos? A satisfação dos interesses de todos? Será que tal é possível? 
Por interesse público deve entender-se o interesse geral de uma determinada comunidade, o bem-comum. "Aquilo que é necessário para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”, definiu S.Tomás de Aquino. Mais tarde, o administrativista francês Jean Rivero vem introduzir a noção da exigência de satisfação das necessidades colectivas. 
As consequência práticas deste princípio vão muito além daquilo que as definições superficiais e, no meu entender, pouco esclarecedoras, que até hoje foram encontradas, podem fazer supor. O prato que à primeira vista não vai além de umas agradáveis Tapas tem ingredientes dignos de uma refeição gourmet.
Em primeiro lugar, há que ter em conta que é a lei, enquanto entidade máxima reguladora, que define quais os interesses públicos a cargo da Administração. 
Num segundo momento, importa alertar que este conceito do interesse público se vem a alterar com o tempo e, por isso, não pode ser definido de uma forma rígida e inflexível, que não permita a adaptação necessária a cada momento. Podemos dizer que este princípio tem uma receita base, o bem-comum; no entanto, os condimentos que se incluem ao cozinhar este bem-comum vão variar consoante as necessidades alimentares da sociedade que “consome” este princípio.
Importa salvaguardar que, por mais distintos que os condimentos possam ser, o cozinheiro deste princípio (a entidade encarregue da sua prossecução, entenda-se) será sempre o mesmo: a prossecução do Interesse Público por parte da Administração é obrigatória. Qualquer desvio na receita que leve à prossecução de interesses privados em vez do interesse referido resultará num prato corrupto, ou, não indo tão longe, num pãozinho com manteiga em vez de uns canapés de salmão fumado.
Esta obrigação de prosseguir o interesse público exige da Administração a adopção, em relação a cada caso concreto, das melhores soluções possíveis, da utilização dos condimentos mais essenciais a cada um dos seus clientes, que mais satisfaçam os seus gostos gastronómicos – tal é o dever de uma boa administração, na perspectiva do Direito, e de um bom Chef, na perspectiva da culinária.
Este dever de boa administração, ou princípio da eficiência, está expressamente previsto na alínea c) do art. 81º da CRP e no art. 10º do CPA.
Na opinião do Professor Freitas do Amaral este é um dever jurídico imperfeito, pois não comporta uma sanção jurisdicional (é um bolinho mas sem o doce) – os tribunais pronunciam-se apenas sobre a legalidade. Não importa, no entanto, tendo em conta a análise em questão, alongar o tratamento desta temática.
Concluindo, a aparência de mero princípio regulador da actividade administrativa, que encontramos numa primeira abordagem ao Interesse Público, vai muito além disso. O Interesse Público é um conceito de difícil definição, em constante mutação, e que requer uma adaptação ininterrupta, pouco característica da maioria dos princípios que balizam o Direito. O que, à primeira vista, não nos parece mais cativante do que umas tapas comidas ao balcão revela-se um prato gourmet, com paladares requintados e adaptados às nossas preferências gastronómicas, que se alteram consoante o degustador e o Bistrô em que o prato é servido.

Maria Inês Serrazina
140112006

segunda-feira, 24 de março de 2014

O sistema administrativo francês: dualidade de jurisdições

       Em França, logo no período liberal, é imposta aos tribunais comuns a proibição de controlarem a administração, do ponto de vista jurisdicional. Ganham, assim, destaque os “tribunais” administrativos regidos pelo denominado Droit Administratif, não, na sua acepção actual, sendo estes “tribunais” na verdade órgãos administrativos e gozando a Adminstração desta forma de um privilégio de foro. Contrariamente, no sistema britânico, cabia aos tribunais comuns, regidos pela Rule of Law, controlar a administração.

·         França: Sujeição da Administração aos tribunais administrativos
·         Inglaterra: Sujeição da Administração aos tribunais comuns

      No período do Estado Social, não se assiste a muitas diferenças. Os tribunais ingleses vão ganhando poderes jurisdicionais em litígios administrativos, nascendo um conjunto de normas que não se aplica aos particulares, mas sim à Administração – a chamada senilidade precoce do sistema inglês. No que toca ao sistema francês, os órgãos administrativos especiais transformaram-se em tribunais, especializados em conhecer das relações jurídico-administrativas. Desaparece, pois, o privilégio de foro.

·         Dualidade vs Unidade de Jurisdições

     Durante a infância difícil do direito administrativo francês marcada pelo contexto de promiscuidade entre Administração e Justiça que remonta ao período liberal, a dualidade de jurisdições e consequente especialização, não sendo esta verdadeira especialização, não se pode considerar como vantagem deste sistema. O que se verificava era uma confusão entre o que era justiça e o que era administrar e não verdadeira dualidade de jurisdições como hoje se verifica.
     No Estado Pós-Social, a especialização dos tribunais chega também a Inglaterra, sendo que actualmente somente existe unidade a nível da instância superior, o supremo tribunal é comum, mas a nível de primeira instância já existe dualidade. Apesar de para o Professor Freitas do Amaral a especialização continuar a ser a diferença mais significativa entre os dois sistemas, na perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva actualmente a questão coloca-se, por força desta evolução, já em termos diferentes. O problema já não é da jurisdição única, antes o de saber em que medida um sistema jurisdicional assegura especialização, e qual o nível assegurado por cada sistema.
            Saliente-se ainda que, em França, o recrutamento de juízes é autónomo. Têm uma preparação judiciária distinta daquela que é ministrada para os tribunais comuns, sendo os juízes administrativos provenientes da École Nationale d’Administration (ENA). O critério de recrutamento assenta, assim, na especialização, formação e separação de carreiras, situação que não permitirá, por exemplo, que um juiz, passe do contencioso administrativo ao comum.

       Actualmente pode considerar-se portanto que os traumas da infância difícil do sistema administrativo francês se encontram ultrapassados e a imparcialidade dos juízes administrativos salvaguardada. Hoje já não é a Administração que se julga a si mesma e os juízes são verdadeiros juízes e não funcionários públicos ao serviço da Administração. A dualidade de jurisdições traz consigo primeiramente a oportunidade de especialização, importante entre outros para a investigação a nível académico e científico, em segundo lugar é de assinalar a vantagem da eficiência tornando o processo judicial mais célere. A segurança jurídica é outra das vantagens a apontar, sendo que a especialização tornando o processo mais célere confere maior segurança jurídica indo até no sentido de uma maior protecção do particular, permitindo que os particulares se façam valer dos seus direitos face à Administração mais rapidamente.
       Concluindo, a dualidade de jurisdições não é atualmente sinónimo de corrupção a nível judicial, mas sim fonte de várias vantagens. A infância promiscua é inegável, não obstante esse trauma pode dar-se como ultrapassado, não se podendo relacionar a promiscuidade entre administração e justiça com a dualidade de jurisdições. Na verdade tão corrupto pode ser um sistema em que opera a dualidade como um em que opera a unidade de jurisdições.

Beatriz Pereira da Silva (140112048)

Filipa Bernardes Vilela (140112061)

domingo, 23 de março de 2014

Camarões, Tartarugas e Atum: O Nascimento do Direito Administrativo Global


Neste texto, vou analisar partes dos documentos, International Law and Justice, e Administrative Law Without the State? The Challenge of Global Regulation, ambos da autoria de Sabino Cassese. Neles vou procurar encontrar indicadores comuns, que demonstrem o surgimento do tal Direito Administrativo Global.


No primeiro texto, encontramos um caso referente à pesca de atum azul. O texto opõe a Nova Zelândia e a Austrália ao Japão, os três países que pescavam este tipo de atum, primeiros signatários da Convention for the Conservation of Southern Bluefin Tuna

O problema fixa-se no facto do Japão, no decorrer de um programa experimental de pescas, ter ultrapassado os limites estabelecidos pela Comission for the Conservation of Southern Bluefin Tuna. A Comissão havia sido formada na Convention for the Conservation of Southern Bluefin Tuna de 1994. Esta possuía personalidade jurídica, orçamento, e regras de contabilidade e de relações empresariais. Tinha um secretariado com pessoal próprio e sede em Canberra. Na sua criação foram-lhe atribuídas funções a desempenhar, tais como cooperar com a FAO (Food and Agriculture Organization's) no plano internacional da IUU (Illegal, Unregulated and Unreported) Fishing. Os membros não só estavam vinculados, como lhes era requerida cooperação em prol da dissuasão da pesca lesadora da espécie de atum em causa, por parte quer de residentes, quer por parte de embarcações de qualquer Estado que não seja parte da Convenção. A Austrália e a Nova Zelândia levaram a questão a um tribunal arbitral e ao Tribunal Internacional para o Direito do Mar, como estava estatuído na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. A 27 de Agosto de 1999 o Tribunal Internacional afirmou que nenhum dos três países podia pescar acima dos limites estipulados, e que mesmo os programas experimentais estavam submetidos a tal medida. Ordenou também os países que negociassem até chegar a um meio termo.Em 2000 o tribunal arbitral declarou que era necessário ouvir o lado Japonês, caso contrário, não tinha jurisdição para julgar o litígio trazido pelos outros dois países. Contudo, salientou também que de acordo com a Convenção de 1994, mesmo que os intervenientes não chegassem a um acordo, não os permitia que desistissem de o fazer por todos os meios pacíficos que tivessem à disposição. A solução foi encontrada em 2001.


No segundo caso, vemos uma controvérsia também acerca do Direito do Mar. Em 1989 os Estado Unidos da América impuseram um embargo na importação de camarão, de países que usassem métodos piscatórios que pudessem prejudicar as tartarugas marinhas. A Índia, Paquistão, Malásia e Tailândia, responderam, declarando o embargo como ilegal por violar o Artigo 9º do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), órgão da World Trade Organization (WTO). O órgão de apelo da WTO julgou a controvérsia. Em primeiro lugar veio dizer que os EUA tinham tomado uma decisão sem dar oportunidade à outra parte de se defender, violando assim os princípios Due Process. Em segundo lugar afirmou que era inapropriado proteger as tartarugas através de um bloqueia na importação de camarões.



Dito isto, é possível verificar um fio condutor comum a ambos os casos, característico do Direito Administrativo Global. Os casos despoletam-se por questões de Direito referente à Natureza, conhecidos como os novos Direitos. Há uma vertente de cooperação, quer entre organizações, quer entre órgãos independentes dentro da mesma organização. Existe em ambos uma organização revestida de poderes autoritários, os 'tribunals', como referido na aula. Esta adopta decisões administrativas tanto para instituições públicas, como para particulares, como para partes constituintes dela ou não. A linha que separa o público do privado em Direito Administrativo é cada vez mais ténue. Verificamos também uma especialização do Direito, partindo de um regime geral, Direito do Mar, para um regime mais específico, as regras de pesca tanto do atum como dos camarões. É visível também um grau elevado de auto-julgamento. Quem julga e quem é julgado está praticamente no mesmo nível. Outra semelhança é a da importância das decisões de órgãos independentes, tendencialmente bem aceites. Para terminar, é considerável relevar o crescente respeito do procedimento, do Due Process.

Francisco Grijó 140112058

sábado, 22 de março de 2014

Direito Administrativo a 3D: as suas 3 dimensões

A evolução administrativa verificada desde os finais do século XIIII, em que houve uma passagem da administração agressiva, no Estado Liberal, para uma Administração Prestadora, no Estado Social, e daí para uma Administração infraestrutural, no Estado Pós Social, atenuou, em parte, os traumas que a Administração padecia desde o seu nascimento. No entanto, esta evolução trouxe consigo uma nova dimensão conceptual no que diz respeito à atuação administrativa. Esta dimensão tornou-se ainda mais acentuada com a integração jurídica europeia.
A nova dimensão de administração infraestrutural do Estado pós-social, trouxe consigo o ato multilateral, produtor de efeitos relativamente a uma multiplicidade de destinatários (noção este muito diferente da definição clássica de ato administrativo).



Direito Administrativo Interno
Até aos anos 70 do século XX, o Direito Administrativo era tido como um Direito meramente interno, decorrente das conceções e modelos que cada Estado dele fazia. No entanto, hoje, o Direito Administrativo interno tem uma dimensão comparada, que resulta do estudo e comparação do Direito interno de um determinado pais, com a realidade administrativa de outro.
Administrativistas como Otto Mayer (um dos pioneiros do direito administrativo alemão) tiveram a preocupação de comparar o Direito Administrativo nos vários países, antes de desenvolver o Direito Administrativo alemão.
 Esta comparação de modelos administrativos não pretende uma uniformização, mas sim um aperfeiçoamento de cada um dos sistemas administrativos existentes.



Direito Administrativo Europeu
A europeização vem acentuar estas transformações no conceito de ato administrativo pois, tendo a União Europeia uma ordem jurídica própria, esta tem projeções sobre os Estados mediante diretivas e regulamentos (relativamente ás decisões administrativas impostas pela União).

Assim, a europeização traz como efeitos:
·                    Perda a dimensão estatutária do ato administrativo
Tendo o Direito Europeu uma pluralidade de destinatários com sistemas jurídicos distintos entre si, este não pode privilegiar nenhuma das conceções jurídicas em detrimento das outras. Tem de procurar, isso sim, um “conceito mestiço”, tentando ser neutro na construção da noção de ato administrativo em relação aos diversos sistemas jurídicos existentes.
Outra das consequências desta perda de dimensão estatutária, consiste na “dessubjetivação” (nas palavras de Cassese) do ato administrativo ao nível europeu, visto que ele deixa de estar dependente da natureza jurídica da entidade que o praticou.

 ·                    Diminuição do carácter regulador do ato administrativo
Os procedimentos administrativos tornam-se cada vez mais complexos e faseados (particularmente em relação a matérias ambientais), assumindo uma configuração combinatória (misturando elementos unilaterais com dimensões sancionatórias.)

·          Proliferação de atos administrativos provenientes de autoridades administrativas independentes
Tendo em conta o ordenamento jurídico português, esta é uma realidade desconexa com o nosso sistema jurídico. Não faz sentido que o controlo judicial de atos praticados por estas entidades esteja a cargo de tribunais judiciais que, por não serem especializados em matérias administrativas, não estão em condições de proceder a uma fiscalização tão adequada como a que é realizada pelos Tribunais administrativos, segundo a opinião apresentada pelo Professor Vasco Pereira da Silva.



Direito Administrativo Global
Tendo o Direito Administrativo surgido com uma dimensão meramente estadual, criado pelos próprios Estados, a Administração Pública depende, estruturalmente, dos Governos Nacionais. Fundada no princípio da legalidade, a atuação da Administração Pública está dependente de leis e regulamentados. Deste modo, o “Direito Administrativo é lei fundamental do Estado”, conforme explica Cassese.
Assim, numa perspetiva tradicional, um sistema global que rege o Direito Administrativo Nacional é inconcebível, dado que o fundamento do Direito Administrativo tem a sua fonte, exclusivamente, na legislação nacional. Como Otto Mayer observou, o poder público nacional é senhor de si mesmo.

No entanto, a integração do Estado em comunidades jurídicas supranacionais e a sua vinculação a instituições internacionais de cariz intergovernamental, que têm como objetivo combater e dar resposta a alguns desafios da pós-modernidade, faz com que a esfera jurídica do Direito Administrativo deixe de se circunscrever meramente à concretização de políticas nacionais e passe a coexistir com esferas sobrepostas de normatividade supraestadual.
As atividades levadas a cabo por estas entidades internacionais levaram ao surgimento de uma nova dimensão de Direito Administrativo: o Direito Administrativo Global.

O direito administrativo global inscreve-se num esquema de governance without government ou de “cooperação sem soberania” (nas palavras de Cassese). Isto significa que as soluções para promover o interesse público são alcançadas a partir de esquemas de coordenação dos diversos interesses conflituantes.

Uma das características do Direito Administrativo Global é a capacidade que este possui de influenciar a atividade das Administrações Públicas Nacionais para além das vinculações típicas decorrentes da assinatura dos tratados internacionais, o que permite distingui-lo do Direito Internacional Administrativo.


Rita Nobre
(n.º 140112032)



sexta-feira, 21 de março de 2014

O princípio da legalidade: do Estado-polícia aos dias de hoje

Para compreender o principio da legalidade nos moldes em que ele é hoje acolhido pela doutrina é necessário olhar para trás e perceber a sua evolução e os seus diferentes significados.

Começando pelo Estado-polícia, característico da monarquia absoluta, facilmente constatamos que o poder não estava sujeito a qualquer tipo de limites, fossem estes provenientes da lei ou dos direitos subjectivos dos particulares.

O surgimento, com a revolução francesa, do Estado de Direito Liberal traz consigo o princípio da subordinação à lei; o princípio da legalidade na sua primeira formulação: a formulação negativa. Neste sentido a lei (ainda apenas a proveniente do Parlamento) é considerada um limite à actuação da administração pública – esta não pode praticar qualquer acto que a contrarie. Tal configuração surge num contexto social em que os direitos dos particulares adquirem extrema importância. Falamos portanto no nascimento deste principio como garantia dos direitos referidos.

Com a evolução dos tempos surgem três regimes que adoptam visões distintas do principio da legalidade, influenciadas pelos respectivos contextos políticos.

Refiro-me, num primeiro momento, às ditaduras do tipo fascista do século XX. Nestes regimes a actuação da administração pública continuava submetida à lei. A grande alteração prende-se com o facto de a lei já não ser a manifestação da vontade do Parlamento mas sim a expressão do Poder. Assistimos portanto a uma subordinação da administração aos Governos, que ganham nesta altura uma enorme importância, expressa na possibilidade de fazerem leis. Surge um princípio da legalidade que existe apenas para proteger o Estado e os interesses objectivos da administração pública, passando os particulares a ocupar uma posição secundária. 

Outro cenário importante são os regimes comunistas, que adoptaram uma posição muito própria relativa ao princípio da legalidade. A lei permanece como um limite à actuação da administração pública. A novidade assenta no facto de a interpretação dessa mesma lei ser baseada nas concepções e nas instruções formuladas pelo próprio partido. Surge então o conceito de legalidade socialista – não uma legalidade resultante de uma interpretação imparcial, objectiva mas sim uma legalidade viciada pelo socialismo.

Chegamos assim ao Estado social de direito e à formulação hoje adoptada do principio da legalidade. A primeira grande transformação tem por base a ideia de que já não existe apenas uma subordinação à lei. Surge uma subordinação ao Direito na sua totalidade. Manifestação desta concepção é precisamente o artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo que revela a visão ampla do termo legalidade. A administração não está apenas vinculada às obrigações que resultam da lei; mais importante do que isso, está subordinada ao direito no seu conjunto.

É neste sentido que Fritz Fleiner afirma que  “o direito administrativo é/deve ser direito constitucional concretizado”. Corresponde a uma lógica de um direito administrativo como instrumento de concretização dos valores do estado de direito; das grandes opções constitucionais em termos de organização.  

Porém Peter Haberle introduz uma nova ideia – a da dupla dependência entre o direito constitucional e o direito administrativo. O direito administrativo depende do direito constitucional porque concretiza os valores da constituição. Mas o direito constitucional também depende do administrativo porque este não se realiza, não se efectua senão pela via do direito administrativo.

Assiste-se hoje a um alargamento, por parte da doutrina, nomeadamente do Professor Vasco Pereira da Silva, da ideia de dupla dependência. Fala-se então de uma dupla dependência entre o direito administrativo e o direito europeu – o primeiro depende do segundo porque depende das escolhas por este feitas. Há, por outro lado, uma dependência administrativa do direito europeu face ao direito administrativo já que este só se realiza se for concretizado e  aplicado em todos os estados membros. Mas fala-se ainda de uma dupla dependência relativa a outras realidades, nomeadamente no quadro do direito global.

Porém a evolução do princípio da legalidade tem ainda de ser analisada a partir de outro prisma. Hoje  o conceito já não corresponde, exclusivamente, a uma subordinação à lei proveniente da Assembleia da República. Estende-se a uma  subordinação à lei emanada de outros órgãos com competência legislativa ou seja, do Governo e das Assembleia Regionais. Mais, hoje significa ainda um respeito pela legalidade estabelecida pela própria administração de que são exemplos os regulamentos. 

Está assim superada a dimensão negativa deste princípio:  a legalidade já não é apenas um limite. A lei serve, efectivamente, como limite mas não é apenas essa a sua função. É simultaneamente fundamento –( já que a administração não pode agir se a actuação não estiver prevista na lei - princípio da competência), critério (estabelece os critérios de actuação da administração) e limite.

Como resultado da evolução descrita há quem defenda, nomeadamente a Professor Glória Garcia, que se deve falar de jurisdicidade em vez de legalidade, como expressão da amplitude deste conceito.  Independentemente da designação utilizada compreendemos que o termo legalidade tem hoje um sentido de jurisdicidade.

Mariana Terra da Motta

140112004

quinta-feira, 20 de março de 2014

A teoria da Norma de Protecção por Buehler e Bachof


A teoria da norma de protecção, desenvolvida por Buehler no século XIX, mais tarde aperfeiçoada por Bachof e entre nós defendida pelo Professor Vasco Pereira da Silva, contraria as concepções que negam a existência de direitos subjetivos perante a Administração Pública, ou que os reduzem ao simples cumprimento do direito objectivo.

Buehler definiu direito subjectivo (numa lógica de Administração agressiva) como “qualquer posição jurídica do súbdito relativamente ao Estado, que tem por base um negócio jurídico, ou uma disposição jurídica vinculativa emitida para a proteção do interesse individual, por intermédio da qual ele se pode dirigir à Administração para exigir algo do Estado, ou pela qual se lhe permite fazer algo relativamente ao Estado”. Este autor fala em três requisitos essenciais para que se possa falar em direito subjectivo público:
1)      Como o mais relevante dos três, a existência de uma norma vinculativa que determinasse um dever de actuação da Administração. Impedia-se assim a presença de direitos subjetivos no âmbito dos actos discricionários.
2)      Norma tem como intento a protecção de interesses dos particulares. Quanto a isto, surge um problema de interpretação da norma.
3)      Direito de reacção contenciosa do particular, sendo a sua posição tutelada jurisdicionalmente.

Buehler lançou assim as bases para uma reforma na dogmática do Direito Administrativo, transitando-se da visão clássica (que acreditava que a lei era suficiente para assegurar a protecção dos interesses particulares) para a óptica do direito subjectivo.

Bachof reconstruiu o conceito de direito subjectivo que foi introduzido por Beuhler numa época em que os direitos subjectivos dos “súbditos” apenas o eram se expressamente previstos pela lei, e onde o número de leis era diminuto (fruto da política não intervencionista do Estado liberal) e adaptando-o à nova realidade de Direito. A primeira alteração por ele feita passou pela substituição do termo “súbdito” pelo de “cidadão”. Esta inovação, que numa primeira análise pode aparentar ser simplesmente de cariz terminológico, é na verdade um fortíssimo indicador da relação que passa a existir entre indivíduo e Estado. É nesta linha de pensamento que Bachof reedifica as três condições de Buehler:
1)      Passa a ser suficiente a existência de vinculações jurídicas que se traduzam num dever de comportamento da Administração, não sendo necessário que haja uma norma juridica vinculativa, e estes deveres de actuação podem provir de normas discricionárias.
2)      Verifica-se uma extensão das normas que se considera que protegem interesses individuais: “de acordo com a ordem constitucional da Lei Fundamental, todas as situações de vantagem objectiva e intencionalmente concedidas transformam-se em direitos subjectivos” e “a concessão de uma vantagem juridica intencional, na dúvida, é um direito subjectivo”
3)      O direito de recurso deixa de ser visto como um requisito para a existência de direito subjectivo, mas antes como uma consequência sua. O autor fundamenta esta posição invocando o artigo 19, IV, da Lei Fundamental Alemã (correspondente ao artigo 268º nº4 da Constituição da República Portuguesa).

Esta tese foi acolhida pela doutrina e jurisprudência alemã, verificando-se uma mudança no modo de avaliação do interesse pelas normas protegido. A interpretação do sentido das mesmas passa a ser feita com base em critérios objectivos e actualistas, que eram favoráveis aos particulares e que são fruto da ideia do indivíduo como sujeito de Direito nas suas relações com a Administração. Constata-se assim um alargamento do âmbito de aplicação dos direitos subjectivos públicos.

Gonçalo Vieira e Silva
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