terça-feira, 25 de março de 2014

UMA OMELETE DE CONCEITOS INDETERMINADOS - "Alourar" não é o mesmo que "estorricar"

O poder discricionário e o poder vinculado da Administração não sãoconceitos isolados, isto é, não há actos exclusivamente discricionários nem vinculados, uma vez que a norma deixa sempre uma maior ou menor margem de interpretação/decisão à administração. Tal como acontece quando se cozinha a omelete da quinta, quando a norma impõe que se utilizem 30 gramas de manteiga, o “legislador” deixa ao cozinheiro espaço para que este escolha que tipo de manteiga vai usar, ou seja está dentro do poder discricionário optar pela marca x ou y, mas já seria um acto ilegal utilizar azeite por exemplo. Por outro lado, quando o legislador impõe ao cozinheiro que este utilize uma fatia de pão caseiro de 1,5cm está a encurtar-lhe a margem de interpretação o que permite perceber que a regulamentação legal da actividade administrativa umas vezes é precisa, outras vezes é imprecisa. Desta forma, temos casos de actos vinculados e casos de actos discricionários – vinculação e discricionariedade são, assim, as duas formas típicas pelas quais a lei modela a actividade da Administração Pública. Contudo, em bom rigor, quase todos são simultaneamente vinculados e discricionários como demonstraremos de seguida. O cozinheiro ao seguir a receita tem de cortar o presunto em pequenos cubos, deparando-se aqui com o conceito indeterminado “pequenos”. Esta incerteza quanto ao conceito importa escolhas por parte do cozinheiro. Mais uma vez, o “legislador” deixa esta interpretação ao critério do cozinheiro. Existe discricionariedade. O mais importante na omelete são os ovos. Se o cozinheiro usar ovos de codorniz já estaria a cometer uma ilegalidade? Possivelmente, pois a receita atribui ao cozinheiro a competência de fazer a omelete que tem como requisito necessário para a sua formalização usar ovos de galinha, pois os de codorniz não produzem o resultado de omelete. E quando é necessário “bater os ovos”, mas não se diz quanto tempo? Neste caso, é deixada uma margem de escolha ao cozinheiro, mais uma vez há escolhas que são da responsabilidade do “cozinheiro”. Apenas arriscaria a cometer uma ilegalidade enquanto entidade administrativa se não cumprisse “a receita”. A lei é assim cumprida se a receita concretizada tiver como resultado uma omelete saborosa e comestível sob pena de ilegalidade. As questões que se colocam a um jurista ou ao cozinheiro são uma  “realidade continuada”, desde o momento em que se começa a interpretar o conteúdo da lei / receita, até ao momento da aplicação dessas normas à realidade (é preciso fazer  escolhas entre as alternativas juridicamente admissíveis, saber se a realidade se adapta à norma e, por fim, decidir). Assim, no que toca à discricionariedade, a doutrina dominante (moderna) fala apenas sobre uma margem de apreciação e decisão, mas o Prof. VPS inclui a margem de interpretação que é fulcral, nomeadamente, na interpretação de conceitos indeterminados. No final da receita, o sal e pimenta “a seu gosto” é um conceito indeterminado que dá azo a interpretações diversas, no entanto, o prato tem de estar comestível sob pena de ilegalidade. Assim não releva se foi a Nigela ou o Jamie Oliver a prepará-lo, pois isso está dentro da margem de livre interpretação da receita, o que importa é que o produto final seja saboroso.
Uma coisa é certa e tem vindo a ser entendida: a competência é sempre vinculada, mesmo nos actos com mais margem de discricionariedade, bem como o fim do acto (necessidades públicas). Quando haja um desvio de fim, há lugar a uma ilegalidade. É-nos apresentado o caso da enfermeira Maria da Conceição - caso de uma troca de bebes na maternidade Alfredo da Costa. O director da maternidade achou que era preciso inverter a "má reputação" da maternidade e quis satisfazer a opinião pública, decidindo despedir a enfermeira não por ter trocado os bebés, mas por ter comportamentos inadequados que podem justificar punições. Mas Maria da Conceição foi expulsa excessivamente. O modo como o tribunal regulou a sanção, foi que os delitos cometidos justificariam suspensão ou outras punições mais “leves”, mas nunca uma sanção máxima como a expulsão (desproporção). Anulou a decisão por entender que havia uma violação do fim para o qual esse poder de punição era atribuído. Portanto, a discricionariedade não é total (quando se fala em actos discricionários pensa-se em actos predominantemente discricionários).
Este processo é ainda condicionado e orientado por ditames que fluem dos princípios e regras gerais que vinculam a AP (igualdade, proporcionalidade, imparcialidade), estando assim o órgão administrativo obrigado a encontrar a melhor solução para o interesse público. Assim não pode o cozinheiro (administração) optar por utilizar a marca x de manteiga, porque é o primo quem a fabrica pois isso violaria o principio da imparcialidade. A lei, ao conferir a determinado órgão um poder discricionário espera que, depois de analisadas as circunstâncias concretas e de respeitados os princípios gerais, seja perfilhada a escolha que o órgão administrativo tiver por ajustada.

Maria Joana Navarro Moreira 140112139
Mariana Castelo Branco 140112121
Carolina Gonçalves 140112042

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