quinta-feira, 24 de abril de 2014

A dimensão material do procedimento e a audiência dos interessados


     De acordo com a teoria tradicional personificada em Otto Mayer seria inadmissível que os particulares fossem titulares de quaisquer direitos subjectivos [poderes de vontade] face a uma autoridade pública. Segundo esta concpeção o particular era objecto do poder administrativo e não sujeito de quaisquer direitos, sendo que mesmo a realidade substantiva correspondia à processual, pois o particular só ia a juízo para colaborar com a Administração e nunca com o intuito de condenar o poder administrativo pela prática de determinado ato.
     A incompatibilidade latente destas concepções dos inícios do séc. XX com o Estado de Direito Democrático fez com que as correntes acima mencionadas fossem actualmente abandonadas pela doutrina administrativista. Tem vindo a reconhecer-se a lógica da relação jurídica, reconhecendo-se como pressuposto indubitável a titularidade de direitos pela parte dos particulares.
      Para além da lógica relacional também o procedimento administrativo nasceu associado ao Estado de Direito sendo que tem vindo a marcar o novo paradigma de entendimento do direito administrativo obrigando a que se analise o entretanto e não apenas a decisão final dos órgãos administrativos. É necessário ter em conta todo o filme e não apenas a fotografia da decisão final. O procedimento como hoje o concebemos, composto por quatro e já não por três fases é por um lado nova fonte de legitimidade a dita “legitimação pelo procedimento” e, por outro, fonte de eficácia. Com a participação dos particulares democratiza-se a atuação administrativa e aumenta a probabilidade do particular vir a acatar a decisão da administração.
      Esta “pequena grande revolução” do direito administrativo veio a reflectir-se no ordenamento jurídico português em 1991, data em que no CPA se incluiu esta quarta fase do procedimento. Entre a instrução e a decisão final da Administração inseriu-se a audiência prévia dos interessados. A componente material do procedimento relaciona-se com a necessidade que existe dos particulares interessados serem ouvidos, necessidade esta que surge como imperativo associado ao paradigma da relação jurídica administrativa. A consagração do direito de audiência prévia dos particulares como fase obrigatória do procedimento administrativo surge como uma garantia acrescida. Para além das exigências decorrentes do principio da legalidade e de outros princípios fundamentais do poder administrativo como a boa fé, igualdade, proporcionalidade etc. ao introduzir-se esta fase no procedimento garante-se a participação dos particulares nas decisões que lhes dizem respeito (veja-se a este respeito o regime dos arts. 100ss.CPA). Pode parecer à primeira vista uma garantia vazia de conteúdo, pois a Administração não está vinculada a decidir de acordo com a posição mais favorável para os particulares, não obstante exige-se por esta via que haja ponderação e transparência por parte da Administração, exige-se que decida conhecendo e tomando em conta os interesses dos destinatários do ato em causa. Exigir-se que a Administração decidisse sempre de acordo com a posição mais benéfica para o particular inviabilizaria toda a construção jurídica subjacente ao direito público em geral, por conseguinte considero esta a modalidade mais favorável ao reconhecimento do direito fundamental de participação dos particulares no procedimento administrativo, tendo hoje mesmo reflexo a nível processual (em Portugal desde a reforma do CPTA de 2002) com o reconhecimento do processo administrativo enquanto um processo de partes, podendo também a outrora toda poderosa Administração vir a ser condenada pelas suas actuações.

Beatriz Pereira da Silva
140112048

Sem comentários:

Enviar um comentário