quinta-feira, 24 de abril de 2014

AS NOVAS “TENDÊNCIAS” DA ADMINISTRAÇÃO E UM CONFRONTO DE FASHIONISTAS

             Nas últimas aulas, discutimos qual seria o centro do Direito Administrativo, se é que havia algum centro. Decidi, pois, e na lógica do pronto-a-vestir de que a Administração Pública hoje dispõe, comparar estas novas “tendências” do Direito Administrativo com a Moda.
            Inicialmente, e segundo a concepção de Mayer, assiste-se a uma procura pelo centro da realidade administrativa. À época, a Administração caracterizava-se por uma actuação agressiva e abrasiva, sendo a lógica “actocêntrica”, ou seja, dependente do acto administrativo. A mesma exercia o seu poder, declarando direitos e impondo-os coactivamente, numa lógica autoritária, ligada aos traumas da infância difícil. Possuía, de igual forma, uma série de privilégios, sendo o acto definitivo e executório. O particular era um mero súbdito e não sujeito de direitos.
        A este Direito Administrativo “actocêntrico”, pensemos no estilo feminino antes dos anos 20, extremamente rígido, ditado pelas socialites da época, com pouca margem de originalidade.
          Ora, com o Estado Social e com o advento da Administração Prestadora, assistiu-se a uma crise nesta lógica “actocêntrica”, deixando o acto administrativo de ter o a destaque de outrora. Ate aí uma realidade incontestada, vai ter de ser repensada e reconstruida. Surgem novas formas de actuação possíveis, para além do acto administrativo: os contratos públicos, os regulamentos, os planos, entre tantos outros como a própria actuação informal e técnica da Administração. Um autêntico pronto-a-vestir, segundo o Professor! O acto já não é a única forma de actuação, uma “farda única”. Reflictamos, pois, as actuais tendências de moda. Por um lado o boho chic, o preppy, não nos esquecendo de uma linha mais vintage para quem a consegue concretizar. Não estamos limitados a um único estilo, mas a vários. Cabe ao indivíduo escolher qual o que mais se adequa à sua própria personalidade. E o mesmo se acontece quanto ao actual Direito Administrativo.
            Além disso, o próprio acto administrativo deixa de ser definitivo e executório, criando mesmo direitos face aos particulares, que deixam de ser meros súbditos. Torna-se um acto multifacetado, muitas vezes, de prestação de bens materiais, de satisfação de necessidades e não susceptível de execução coactiva.
            A lógica concorrencial acima mencionada põe em causa a realidade “actocêntrica” do direito administrativo. O acto administrativo seria, segundo Bahoff, uma fotografia instantânea de relações em movimento, porém, seria, de igual forma, necessário ver o filme no seu todo. Tal corresponde ao procedimento administrativo, processo de tomada de decisões, mas também às relações jurídicas, que a Administração foi constituindo desde que iniciou o procedimento até ao momento em que há relações jurídicas duradouras.
            Ora, uma nova questão emerge no plano do Direito Administrativo, em plenos anos sessenta. Há, pois, duas formas de conceber a própria dogmática administrativa: uma orientação italiana, defendida por Nigro, Pericu, Cassesse, que faz do procedimento o centro do Direito Administrativo e, por isso, tende a uma perspectiva de objectivação do mesmo, baseada na própria organização administrativa; e uma orientação germânica que se prende com a relação jurídica que precede o procedimento e que perdura para além das decisões em concreto - uma realidade continuada e permanente. Resume-se a uma maior subjectivação do Direito Administrativo (a chamada teoria comportamentalística-racional de Schmitt-Glaser e de Luehmann ou simplesmente teoria da decisão).
         Segundo o Professor Vasco Pereira da Silva, “a teoria da decisão germânica considera o procedimento como condicionante da decisão final, mas não descura a relevância desta última a doutrina italiana preocupa-se mais com a evolução  da actuação administrativa do que com o seu resultado, pouco ou nada ligando a este” (in Em Busca do Direito Administrativo Perdido).
       Assim, a doutrina alemã, baseando-se na relação jurídica dos particulares com a própria Administração, engloba relações procedimentais, processuais, subjectivas; concretizando-se numa maior amplitude que a perspectiva italiana que apenas se foca na lógica procedimental.
         Aqui, relacionemos duas tendências actuais no mundo da moda, que são personificadas por fashionistas como Cara Delevingne e Olivia Palermo. Enquanto a primeira prima por um estilo descontraído e jovial, a última caracteriza-se por um estilo muito feminino, não descurando os acessórios e pensando no mais pequeno pormenor. Se perguntarmos qual a orientação central da moda hoje em dia? A doutrina diverge… Olivia ou Cara? O procedimento ou a relação jurídica?

 
Cara Delevingne


Olivia Palermo


            A verdade é que não podemos olhar para estes confrontos e consequente bipolaridade de realidades (quer administrativas, quer de fashion trends!) como antagónicas. Pelo contrário, tendem a aproximar-se, já que ambas as realidades não são apenas conciliáveis como devem coexistir. De facto, o procedimento é uma realidade que é composta por relações jurídicas substantivas, e também é um facto que tanto o estilo de Olivia e de Cara se complementam além de provir dos mesmos estilistas e maisons de haute couture.
            O Professor Vasco Pereira da Silva entende que lógica alemã é mais adequada para explicar o ordenamento jurídico moderno, bem como a realidade portuguesa (atente ao artigo 212 da CRP que refere o conceito de relação jurídica) já que é mais abrangente.
             Mas, fará ainda sentido encontrar um centro para o direito administrativo, vulgo para a moda? Aqui, restam dúvidas, motivadas por outras realidades que se transformaram no quadro administrativo. Note-se, a característica da actual multilateralidade das relações jurídicas, ao invés da inicial bilateralidade, consubstanciando-se num alargamento da actuação administrativa, consequência do alargamento dos direitos fundamentais: a chamada terceira geração de direitos, ligados ao consumo, saúde e ao ambiente. Assim, nos dias de hoje, a relação jurídica é concretizada através de uma multiplicidade de entidades, que aumentam, quanto maior for a decisão em causa. O procedimento é agora de massas. Cara, Olivia,.. O que interessa? Visto-me como quero e sigo as tendências de quem eu quero. A moda é feita por mim, é feita por todos nós. Tanto o Direito Administrativo como a Moda reflectem tal ideia: a liberdade de escolha perante a multiplicidade de “tendências”.

Filipa Bernardes Vilela
140112061



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