É certo e sabido que o Direito Administrativo, como vítima da sua infância complicada, aparenta ao longo de todo o seu percurso alguns traumas em vias de tratamento psicanalítico. Como tal, estranho seria se não aparentasse consequências desses traumas na maioria dos seus ramos.
Antes de mais, é necessário entrar na máquina do tempo que nos levará até à Revolução Francesa, altura em que seria inconcebível a atribuição de direitos aos particulares. Se fosse realmente possível transportarmo-nos até lá, iríamos deparar-nos com com uma situação de poder em que a Administração exercia o poder público e ao qual os particulares se submetiam. Citando Otto Mayer é-nos fácil entender que a lógica seria a de não atribuição do carácter de sujeito jurídico ao particular: <<Era inadmissível considerar que o particular pudesse ter um direito subjectivo contra o poder público>>. Por sua vez, o autor também faz referência ao acto administrativo como <<A decisão da Administração que definia o direito que era aplicável a um súbdito no caso concreto>>.
Esta fase do Direito Administrativo acabava por dar origem a duas posições teóricas cuja validade, hoje em dia, não mais se põe em questão uma vez que já está esclarecida a realidade de gozo de direitos fundamentais por parte dos particulares. Uma que referia a possibilidade do particular gozar do direito administrativo - a lógica do direito reflexo - que não tinha autonomia do ponto de vista jurídico. E outra, que falava de um direito à legalidade mas que não correspondia a uma situação de vantagem - um direito que ninguém poderia reivindicar
Contudo, a doutrina não se ficou pelas teses acima descritas e partiu em busca de novas concepções. Por isso, ainda hoje continuamos a ter uma grande discussão quanto ao modo de entendimento da posição do particular perante o direito administrativo. A minha “tese”, ainda que tardia, parte da análise dessas três concepções e pretende analisá-las nos seus pontos comuns. Antes de mais, uma pequena abordagem a cada uma das concepções:
Concepção tripartida: Nasce no Direito Italiano para justificar a separação de jurisdições. Fala-nos em direitos subjectivos, interesses legítimos e interesses difusos. A cada uma destas três realidades correspondiam três meios de tutela diferentes. Neste âmbito é importante referir que se está já a considerar posições substantivas dos particulares, ainda que não sejam idênticas. Isto é, há direitos de primeira, de segunda e de terceira. Esta teoria encontra num dos seus seguidores o Professor Freitas do Amaral.
Concepção do Direito Reactivo: Faz referência a um direito único dos particulares, o direito à reacção - que só se faz valer no momento da agressão. Isto é, na agressão surge um direito a reagir que depois encontraria a sua realização plena no momento em que houvesse um processo. Esta teoria encontrou em tempos, no núcleo dos seus seguidores, tanto o professor Vasco Pereira da Silva como o professor Rui Medeiros.
Teoria da Norma da Protecção: É a ideia de uma categoria unitária do direito subjectivo público que se contrapõe à lógica tripartida. Sendo que, os direitos, à partida, são todos iguais ainda que com conteúdos diferentes. São realidades substantivas que vão mais tarde obter dimensão processual. Há, no entanto, que distinguir entre direitos substantivos, direitos procedimentais e direitos processuais.
“Aquilo que não for discutível não é científico” - é o que sabemos antes de saber qualquer outra coisa. E se há tema discutido dentro das portas da grande mansão que é o Direito Administrativo é precisamente este. É, na minha opinião, necessário abstrairmo-nos de qualquer ligação especial sentida para com as teorias para percebermos que todas contribuem para o desenvolvimento do conhecimento deste grande ramo do Direito Público que é o Direito Administrativo.
Em primeiro lugar, a concepção tripartida serve-nos de modo a que compreendamos o aparecimento do das posições substantivas dos particulares - que ainda que não sejam idênticas já é algum tipo de atribuição de direitos subjectivos. Podemos ainda pegar nesta concepção para compreender o Direito e os direitos em geral. É com a apresentação das críticas a esta teoria que nos é possível relembrar que direitos e deveres são posições subjectivas - que quando se regula um dever, do outro lado desse dever está um direito. Um dos pilares mais importantes da ordem jurídica.
Em segundo lugar, a concepção do direito reactivo, leva-nos a perceber o momento da reacção. Isto é, ao confundir reação com direito obriga-nos a relembrar direitos fundamentais e a desmembrar o direito processual do substantivo. Trazendo-nos à conclusão, também ela nas estruturas mais importantes da ordem jurídica, de que a reacção pressupõe um momento anterior em que há um direito subjectivo lesado. E o direito de recorrer ao tribunal que existe para proteger o anteriormente mencionado.
Em terceiro, e último lugar a Teoria da norma da protecção aparece como a mais completa e esclarecedora de todas. Vem corrigir as falhas da Concepção tripartida ao exigir um aspecto vinculativo no comportamento do particular e fazendo valer a dignidade da pessoa humana como a base para a sustentação de uma teoria equilibrada da relação entre o particular e a administração. Sendo que, por esta última característica se mostra também como a teoria mais actualizada, aplicável aos dias de hoje (como é possível conferir através do ART 1º da CRP). Corrige também a concepção do Direito Reactivo ao trazer ao de cima a possibilidade do particular concretizar o direito de recorrer ao tribunal - vendo estabelecido pelo direito, em todos os casos, um direito fundamental de acesso à justiça administrativa para tutelar os seus direitos (presente no ART 268º/4 da CRP).
Concluo compreendendo a importância que as duas concepções primeiramente referidas tiveram para o desenvolvimento do Direito Administrativo e do seu conhecimento, mas atribuo à Teoria da Norma da Protecção a máxima relevância por ser a mais completa e a que melhor se acaba por adequar aos tempos de hoje.
Mariana Nunes
140112003
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