domingo, 6 de abril de 2014

Intervenção dos particulares no procedimento administrativo: Direito de audiência

O procedimento administrativo tem uma grande importância nos dias de hoje porque tão importante como a própria decisão, é o modo como se chega a ela. Há portanto uma valorização dos aspectos procedimentais que não existia no Direito Administrativo clássico que se caracterizava por ser autoritário. 
Uma das fases do procedimento é a audiência dos particulares que venham a ser afectados com a decisão da administração ou que tenham interesses que precisem ser protegidos e levados em conta. O direito de audiência acaba assim por ser uma forma de conseguir combinar os interesses dos particulares com os interesses públicos e chegar a uma decisão que, dentro do possível, seja mais favorável em ambos os sentidos.


Com o crescimento das tarefas da Administração Pública e com sua cada vez maior complexidade, a intervenção dos privados acaba também por funcionar como limite e controlo à actuação administrativa, é uma forma de democratizar a Administração Pública. E isto é assim porque o facto dos particulares serem ouvidos não só faz com que as decisões da administração sejam melhores como levem em conta todos os factores. Um exemplo da melhoria das decisões é uma situação que ocorreu em Nova Iorque em que houve uma audiência de todos os interessados a propósito de umas obras numa rua que iam afectar o seu funcionamento, e a Administração Pública estava apenas a ter em conta os custos e tipos de materiais até que um particular chamou a atenção para o facto de viveram pessoas de idade naquela rua que a atravessavam todos os dias para ir ao supermercado e que com o corte da rua teriam de andar quilómetros. A chamada de atenção deste particular fez assim com que a Administração Pública considera-se o que ainda não tinha considerado e construísse uma ponte para facilitar a circulação das pessoas de idade pela rua. 

No entanto, a participação dos interessados pode comportar riscos como sejam: dispersar a responsabilidade administrativa para fora do seio da Adminsitração e esbater a responsabilidade de decisão da administração. Estas questões, ainda que importantes, são perfeitamente ultrapassáveis porque em última análise a decisão cabe à Administração Pública e é da sua responsabilidade tomá-la da melhor maneira possível.

Posto isto, há ainda que chamar à atenção para as duas componentes da tutela dos interesses dos particulares: a componente objectiva e a componente subjectiva. O direito de audiência dos particulares tem uma componente subjectiva muito grande porque o objectivo é proteger preventivamente os interesses dos particulares, mas isso nem sempre acontece. Nos procedimentos em massa, além de se tentar proteger os interesses dos particulares, o principal objectivo é conhecer as posições e interesses dos particulares que possam ser conhecidos em termos objectivos. As acções mais reduzidas têm assim regras diferentes dos procedimentos em massa, e são diferentes ao ponto de as regras estabelecidas no Código de Procedimento Administrativo estarem pensadas para acções mais pequenas e os procedimentos em massa constarem da Lei da Acção Popular que prevê os mecanismos necessários à intervenção dos particulares nestes assuntos. Então mas os interesses dos particulares continuam a estar da mesma forma protegidos tanto num tipo de acção como no outro? Acabam por não estar porque nas audiência com número mais reduzido de interessados o Código de Procedimento Administrativo dita a obrigatoriedade da audiência dos particulares no procedimento administrativo, regulada nos artigos 100º e seguintes do mesmo. No caso da Lei da Acção Popular, no procedimento em massa a lei não estabelece essa obrigatoriedade de uma audiência pública formal, sendo antes uma escolha da Administração, o que não deveria acontecer porque apesar de não se puder ouvir todos os interessados e ter em conta todas as questões levantadas por eles, uma audiência popular é sempre uma mais valia para uma boa decisão por parte da Administração Pública. 

E o que é que acontece quando o Direito de Audiência não é respeitado? Que represálias essa violação tem no procedimento e na decisão da Administração? Em relação a este ponto a doutrina diverge: há quem entenda que estamos além de uma ilegalidade, perante uma inconstitucionalidade e há quem entenda que estamos apenas perante uma ilegalidade.
O dever de audiência é um dever genérico correspondente a um direito do particular que só pode ser excluído ou afastados nos casos expressamente previstos na lei. E isto é assim porque por um lado tem-se atenção a uma dimensão subjectiva que se revela na qualidade da decisão da Administração Pública mas por outro lado este direito de audiência funciona também como uma tutela preventiva dos interesses dos particulares.

Para quem defende, como o Professor Vasco Pereira da Silva, que estamos, além de uma ilegalidade, perante uma inconstitucionalidade, a violação do dever de audiência gera a nulidade do acto administrativo. Entende-se que se está perante uma inconstitucionalidade porque o direito a ser ouvido corresponde a um direito fundamental, e por isso constitucionalmente protegido, que é o direito de participação. Ora se o direito de audiência é violado, viola-se assim o conteúdo essencial de um direito fundamental.
Para quem defende, como o Professor Freitas do Amaral, que se trata de uma ilegalidade então a violação deste dever gera uma situação de anulabilidade do acto administrativo. Esta posição tem sido acompanhada entre nós também pela jurisprudência. Entende-se aqui que há dois argumentos contra considerar que esta violação gera uma inconstitucionalidade: em primeiro, não se trata de um verdadeiro direito fundamental porque este direito nada tem a ver com a dignidade da pessoa humana; e em segundo, a nulidade está prevista apenas para os casos de falta de audiência nos procedimentos disciplinares. Este último argumento, ainda que válido, pode ser refutado pelo facto de se considerar se esta é a regra ou a excepção, ou seja, nada impede que se possa considerar que a regra está prevista na constituição. 


Apesar de toda a evolução que tem havido neste sentido, até porque é sabido entre nós que há 20 anos atrás era uma loucura falar em audiência dos particulares que vissem postos em causa de qualquer forma os seus interesses nos procedimentos, há que considerar que ainda há um longo percurso pela frente, isto porque, apesar de se ouvir os interessados, ainda não se considera a sua posição na decisão, os seus interesses materiais, e esse ainda é um longo caminho. 


Catarina Nunes (140110156)
Mónica Simões (140110144)








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