A nulidade é o mais
polémico desvalor do acto administrativo. As fronteiras que a separam da
inexistência e da anulabilidade são ténues e mal definidas, o que leva a que as
zonas turvas que encontramos a nível teórico tenham dimensão tal que também
afectem os regimes destas três figuras.
A análise em causa não
pode alhear-se do contexto histórico em que a teoria das invalidades apareceu
no direito administrativo.
O Direito Administrativo
é fortemente marcado por uma supremacia do legislador face ao interesse privado:
a lei é o critério máximo da conduta administrativa e as invalidades em análise
decorrem, consequentemente, de desconformidades da conduta administrativa para
com essa mesma lei, relevando apenas secundariamente qualquer desconformidade
com a vontade das relações jurídicas em causa. Ora, a teoria das invalidades do
direito privado (de onde foi decalcada a teoria das invalidades em análise) foi
pensada para relações jurídicas marcadas pela igualdade entre as partes, e onde
a formação e expressão da vontade é deveras relevante. Facilmente compreendemos
que, perante duas realidades tão distintas, um regime comum, ou mesmo
semelhante, não conseguirá ser a solução mais adequada.
Actualmente, o Direito
Administrativo é dominado pela figura da prestação, cada vez menos unilateral e
mais igualitário. O rígido regime jurídico das invalidades conseguia adaptar-se
(mesmo que com as deficiências referidas anteriormente) quando a actuação da
Administração era feita pela via unilateral e executória, todavia, hoje em dia
as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares são muito
mais complexas e cada vez mais multilaterais. Impera, dado isto, que o regime
jurídico das invalidades seja construído de modo diversificado e que os
respectivos efeitos vão para além das entidades directamente visadas, tenham
uma perspectiva mais abrangente.
A doutrina tradicional
entendia que a nulidade do acto compreendia os casos mais graves de
desconformidade da actividade administrativa com a lei, o que fazia com que a
disciplina com que punia este vício fosse a mais pesada. Tal conduzia a que os
actos mais gritantemente desconformes fossem fulminados, o que nos permite
concluir que o regime da nulidade era, afinal, o regime da inexistência. À
anulabilidade cabiam as invalidades mais leves, que eram também as mais
frequentes.
Facilmente nos
apercebemos que este regime jurídico marcadamente dualista não se adequa à
realidade actual; é necessário um regime elástico, que possa ser compatível com
a vastidão de questões suscitadas.
Dado isto, é impossível
que o regime da nulidade do acto administrativo se aplique sempre ipsis verbis, uma vez que este foi
pensado para situações diferentes das que hoje ocorrem, como já justificado. Por
sua vez, o regime da anulabilidade facilmente se adapta às necessidades
actuais.
Há que ter em conta
que, dadas as características do acto administrativo no presente, são
necessárias distinções mesmo dentro do regime da nulidade (o tradicional preto
e branco – nulidade e anulabilidade – não é, de todo, adequado!). O regime
aplicável não pode ser o mesmo para um acto lesivo dos direitos do cidadão ou
para um acto vantajoso, para um acto certificativo ou para um parecer… Do mesmo
modo, os elementos do acto não relevam todos da mesma forma nos vários tipos
legais que este acto pode assumir.
Concluindo, o que se
pretende não é que a nulidade se deixe de apresentar como um regime jurídico
unitário e homogéneo, é sim que este mesmo regime dê mostras de elasticidade
suficiente para permitir soluções diferenciadas consoante as características do
acto administrativo em causa, que se afaste da concepção monocromática tradicional
e misture um pouco as duas cores – o cinzento é sempre uma escolha acertada!
Maria Inês Serrazina
140112006
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