segunda-feira, 21 de abril de 2014

O Nulidade do Acto Administrativo: Preto no Branco ou Cinzento?

A nulidade é o mais polémico desvalor do acto administrativo. As fronteiras que a separam da inexistência e da anulabilidade são ténues e mal definidas, o que leva a que as zonas turvas que encontramos a nível teórico tenham dimensão tal que também afectem os regimes destas três figuras.
A análise em causa não pode alhear-se do contexto histórico em que a teoria das invalidades apareceu no direito administrativo.
O Direito Administrativo é fortemente marcado por uma supremacia do legislador face ao interesse privado: a lei é o critério máximo da conduta administrativa e as invalidades em análise decorrem, consequentemente, de desconformidades da conduta administrativa para com essa mesma lei, relevando apenas secundariamente qualquer desconformidade com a vontade das relações jurídicas em causa. Ora, a teoria das invalidades do direito privado (de onde foi decalcada a teoria das invalidades em análise) foi pensada para relações jurídicas marcadas pela igualdade entre as partes, e onde a formação e expressão da vontade é deveras relevante. Facilmente compreendemos que, perante duas realidades tão distintas, um regime comum, ou mesmo semelhante, não conseguirá ser a solução mais adequada.
Actualmente, o Direito Administrativo é dominado pela figura da prestação, cada vez menos unilateral e mais igualitário. O rígido regime jurídico das invalidades conseguia adaptar-se (mesmo que com as deficiências referidas anteriormente) quando a actuação da Administração era feita pela via unilateral e executória, todavia, hoje em dia as relações estabelecidas entre a Administração e os particulares são muito mais complexas e cada vez mais multilaterais. Impera, dado isto, que o regime jurídico das invalidades seja construído de modo diversificado e que os respectivos efeitos vão para além das entidades directamente visadas, tenham uma perspectiva mais abrangente.
A doutrina tradicional entendia que a nulidade do acto compreendia os casos mais graves de desconformidade da actividade administrativa com a lei, o que fazia com que a disciplina com que punia este vício fosse a mais pesada. Tal conduzia a que os actos mais gritantemente desconformes fossem fulminados, o que nos permite concluir que o regime da nulidade era, afinal, o regime da inexistência. À anulabilidade cabiam as invalidades mais leves, que eram também as mais frequentes.
Facilmente nos apercebemos que este regime jurídico marcadamente dualista não se adequa à realidade actual; é necessário um regime elástico, que possa ser compatível com a vastidão de questões suscitadas.
Dado isto, é impossível que o regime da nulidade do acto administrativo se aplique sempre ipsis verbis, uma vez que este foi pensado para situações diferentes das que hoje ocorrem, como já justificado. Por sua vez, o regime da anulabilidade facilmente se adapta às necessidades actuais.
Há que ter em conta que, dadas as características do acto administrativo no presente, são necessárias distinções mesmo dentro do regime da nulidade (o tradicional preto e branco – nulidade e anulabilidade – não é, de todo, adequado!). O regime aplicável não pode ser o mesmo para um acto lesivo dos direitos do cidadão ou para um acto vantajoso, para um acto certificativo ou para um parecer… Do mesmo modo, os elementos do acto não relevam todos da mesma forma nos vários tipos legais que este acto pode assumir.
Concluindo, o que se pretende não é que a nulidade se deixe de apresentar como um regime jurídico unitário e homogéneo, é sim que este mesmo regime dê mostras de elasticidade suficiente para permitir soluções diferenciadas consoante as características do acto administrativo em causa, que se afaste da concepção monocromática tradicional e misture um pouco as duas cores – o cinzento é sempre uma escolha acertada!

Maria Inês Serrazina
140112006

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