Direito Administrativo: Direito Constitucional Concretizado?
Como se discutiu nas aulas
anteriores, tradicionalmente, o direito administrativo era visto num plano de
dependência em relação ao direito constitucional.
Otto Mayer, mais tarde,
afirma que “o direito constitucional passa e o administrativo fica” e,
por isso, este seria superior. Deste modo, sempre que se assistia a uma mudança
da Constituição, não se modificava o direito administrativo. Estamos, pois,
perante uma dimensão sociológica; obviamente é mais fácil mudar a Constituição
que os comportamentos administrativos. A prova disso foi a Revolução do 25 de
Abril que impôs uma nova Constituição, mas que só mais tarde fez repercutir os
seus efeitos na administração. De facto, o CPA apenas surge em 1996, apesar de
previsto desde 1976, permitindo confirmar a morosidade até que a realidade
constitucional se reflectisse na realidade administrativa. E, não nos
esqueçamos que, em matéria de contencioso, o CPTA apenas em 2002, se adaptou à
realidade constitucional. Assim, hoje em dia, ao ouvirmos a necessidade de uma
reforma administrativa, é imperativo ter presente esta realidade e consequente
dificuldade de mudança.
Esta
lógica de inércia não corresponde, todavia, a uma perspectiva de dever ser da
administração, que deveria estar submetida às opções constitucionais.
Assistir-se-ia, então, a uma dependência da administração dos valores
constitucionais, uma lógica diferente daquela que Mayer defende.
Em plenos anos sessenta, Fritz Fleiner defende que o direito administrativo
não é mais que direito constitucional concretizado. É, de novo, a ideia de
realização dos valores do estado de direito e da concretização das grandes
opções constitucionais em termos de organização administrativa e administração
pública.
Peter
Haberle acrescenta que há uma dupla dependência entre o direito constitucional
e o direito administrativo. Por um lado, o direito administrativo depende do
direito constitucional na medida em que concretiza os valores da constituição e
se organiza segundo ela. Por outro lado, o direito constitucional depende do
direito administrativo: este não se realiza, nem é eficaz senão por via do
direito administrativo. Se o direito administrativo não respeitar as opções
constitucionais, o direito constitucional entra em crise.
Existe,
por isso, uma relação directa e imediata entre os dois ramos de direito. Tal
ligação com a Constituição é muito discutida doutrinalmente, sendo que a
perspectiva francesa reduzia, em muito, a própria dependência. Georges Vedel
prevenia para uma possível falta de tutela constitucional do Direito
Administrativo enquanto Charles Eisenmann considerava tal discussão um simples
problema de hierarquia de fontes de Direito, prevalecendo o Direito
Administrativo.
De
igual forma, é importante relevar esta realidade do direito administrativo numa
escala europeia. Há, pois, a nível da UE, uma série de regras provenientes de
Tratados e mesmo da Carta dos Direitos Fundamentais, impostas aos estados
membros, com relevância constitucional (note-se, constituição em sentido
material). E tal, não poderia deixar de influenciar o direito administrativo,
no prisma da já falada dupla dependência. O direito administrativo e também ele
direito europeu concretizado. Novamente, por um lado, o direito administrativo depende
do direito europeu e consequentes tratados e ordens jurídicas; mas por outro, o
direito europeu só se concretiza depois de aplicado nos estados membros. É a
administração pública que realiza as grandes opções europeias, em termos de
organização, política publica, formas de actuação administrativa.
Filipa Bernardes Vilela
140112061
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