A atividade administrativa não se
esgota na tomada de decisões já que existe sempre um conjunto de vários atos
preparatórios a praticar antes da tomada da decisão, como por exemplo: estudos,
averiguações, vistorias, pareceres… e outros tantos trâmites a percorrer depois
dela, como registos, vistos, notificação aos interessados, entre outros.
O procedimento administrativo
permite que os seus intervenientes, particulares e autoridades administrativas
determinem um certo resultado. É um procedimento em que o “administrado” e o
administrador se põem de acordo em relação a interesses que são simultaneamente
públicos e privados.
O que caracteriza a atividade
administrativa é o próprio desenvolvimento do procedimento qualquer que seja o
seu ato. É ele que regula o atuar administrativo anterior e posterior à decisão
final.
A dogmática tradicional
via o procedimento administrativo como uma sequência lógica e necessária em que
apenas o objeto da decisão final, ou seja, o ato era realçado.
Hoje, o procedimento
“destruiu praticamente o ato, reduzindo-o a um mero resumo dos elementos pré
formados no decurso do procedimento” (nas palavras de Schimitt Glaeser). Aceitar
isto implica, segundo o Professor Vasco Pereira da Silva:
·
A uniformização do tratamento dogmático de toda
a atividade administrativa. – “é o procedimento que faz a ponte entre a atuação
de gestão pública e privada” ;
·
Possibilidade de constituir e manter uma relação
duradoura entre a Administração Pública e os particulares.
O procedimento não pode ser
considerado como uma sequência fixa de ações determinadas. Adotar esta opinião
seria aceitar que para cada caso, existiria uma única ação a ser tomada (ação
estereotipada), o que excluiria a possibilidade de escolha nas ações a adotar,
independentemente das consequências fáticas daquela ação para aquele caso em
particular.
Tal realidade não se pode hoje
aceitar, antes pelo contrário. No procedimento administrativo todos os
interesses, direta ou indiretamente relacionados com a decisão final, devem ser
tidos em consideração.
-Qual a sua razão de ser?
Os grandes objetivos da
regulamentação jurídica do procedimento administrativo são, essencialmente,
garantir uma defesa contra os poderes arbitrários da Administração Pública,
salvaguardando desta forma os direitos subjetivos e os interesses legítimos dos
particulares, bem como assegurar o princípio da eficiência, através de uma
racionalização de meios a utilizar pelos serviços da Administração Pública.
Racionalizar o procedimento é
também uma maneira de melhorar a qualidade da decisão, já que este visa
conciliar o interesse público com os interesses dos particulares enquanto cidadãos.
- Qual a sua relevância?
Enquanto o Direito Administrativo
clássico via o procedimento em razão dos resultados a que se podia chegar (visão atocêntrica) hoje, o procedimento
vale por si mesmo, enquanto instrumento de correção e de eficácia das decisões
administrativas, bem como de garantia de proteção antecipada dos direitos dos
particulares, estabelecendo-se uma relação duradoura entre as partes envolvidas
devendo, por isso, ser participativos.
O procedimento permite, deste
modo, que sejam os intervenientes do processo a determinar o seu próprio
resultado.
-Qual a sua natureza jurídica?
O n.º 1 do artigo 1º do CPA,
define o procedimento administrativo como sendo a sequência juridicamente ordenada de atos e formalidades tendentes à
preparação da prática de um ato da Administração ou à sua execução. Desta
forma, pode retirar-se que o procedimento não se confunde com o processo
administrativo. Este último enunciado no n.º 2 do mesmo artigo 1º do CPA, como
sendo o conjunto de documentos em que se
traduzem os atos e formalidades que integram o procedimento.
Assim, conclui-se que a cada
função do Estado corresponde uma modalidade de procedimento diferente. Conforme
diz o Professor Vasco Pereira da Silva no seu livro, Em busca do ato administrativo perdido, “não é o procedimento
administrativo que é um processo especial, mas sim o processo que é o
procedimento especial da função judicial.”
Apesar de nas palavras do
Professor Freitas do Amaral existirem, neste ponto, “teses opostas”, fase à
distinção acima enunciada entre processo e procedimento, a verdade é que, e
seguindo a orientação do Professor Vasco Pereira da Silva, deve ser hoje
adotada uma “Tese anti processualista”
(conforme é apelidada pelo Professor Freitas do Amaral). Segundo esta tese, o
procedimento não é um processo, dado que procedimento administrativo e processo
judicial são duas realidades distintas e irredutíveis.
-Quais os seus princípios fundamentais do procedimento administrativo?
Este obedece a um conjunto de princípios
fundamentais, entre os quais:
·
Ter caráter
escrito
Como observava Marcelo Caetano “o
modo de funcionamento da administração não se compadece com a oralidade”.
A redução a escrito tem a
finalidade de conservar o registo completo e seguro do que se fez e/ou disse.
Sendo que atualmente o papel está a dar lugar à informação guardada em suporte informático
(teoria dos dois degraus – porquanto
com a informatização, o nível técnico e jurídico da Administração encontram-se
ligadas).
·
Simplificação
do formalismo
Ao contrário
do processo judicial que continua a ser sujeito a um formalismo rígido, o
procedimento administrativo é, ou deve ser, menos formal e mais maleável,
competindo à Administração conduzir o procedimento do princípio ao fim pelas
formas mais adequadas, mas sempre respeitando as normas legais e constitucionais.
·
Natureza inquisitória
A
administração Pública é ativa, gozando do direto de iniciativa para promover a
satisfação do interesse público, conforme se retira do artigo 56.º CPA: “Os órgãos administrativos, mesmo
que o procedimento seja instaurado por iniciativa dos interessados, podem
proceder às diligências que considerem convenientes para a instrução, ainda que
sobre matérias não mencionadas nos requerimentos ou nas respostas dos interessados,
e decidir coisa diferente ou mais ampla do que a pedida, quando o interesse
público assim o exigir.”
·
Colaboração
da Administração com os particulares
Consagrado no n.º1 do artigo 7.º CPA.
·
Direito à
informação dos particulares
Consagrado no n.º1 do artigo
268º CRP e nos artigos 61º a 64º CPA.
No entanto, a matéria relativa
ao direito à informação não procedimental está regulada pela Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto (prevê a possibilidade de acesso aos documentos administrativos
e à sua reutilização).
Em matéria relativa a questões ambientais
rege a Lei n.º19/2006, de 12 de Junho, que regula o acesso à informação
ambiental.
·
Participação
dos particulares na formação das decisões que lhes digam respeito
Princípio este consagrado no n.º 5 do artigo 267.º CRP,
que estabelece que o processamento da atividade
administrativa assegurará a participação dos cidadãos na formação das decisões
ou deliberações que lhes disserem respeito, conjugado com o artigo 8.º do CPA.
Acresce ainda dizer, que no âmbito
deste princípio, hoje um dos fundamentos da decisão administrativa é a audiência
dos interessados, direito este pertencente à 3ª geração de direitos
fundamentais, em consequência do Estado Pós-Social em que vivemos atualmente
(opinião esta contrária, no entanto, à do Professor Freitas do Amaral).
·
Princípio
da decisão
Este principio encontra a sua
base legal no artigo 9º CPA, e tem um duplo objetivo:
- a Administração deve pronunciar-se
sempre que lhe seja solicitada pelos particulares;
-o de facilitar a sua proteção
face às omissões administrativas ilegais, garantindo o direito de reagir em
tribunal contra a passividade administrativa de um dever legal de decidir.
·
Princípio da
desburocratização e da eficiência
Princípio consagrado no artigo 10.º
CPA, segundo o qual “a
Administração Pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das
populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia
e a eficiência das suas decisões.” Este princípio
implica que a Administração Pública deve organizar-se de modo a fazer uma
utilização racional dos meios ao seu dispor, simplificando ao máximo quer as
suas operações próprias bem como o relacionamento com os particulares.
Nas palavras do Professor Freitas do
Amaral, este princípio revela-se difícil de concretizar por implicar uma
renovação permanente nas estruturas e métodos de funcionamento da Administração
Pública.
·
Princípio
da gratuitidade
Previsto
no artigo 11.º CPA, o qual estabelece que “o procedimento administrativo é
gratuito, salvo na parte em que leis especiais impuserem o pagamento de taxas
ou de despesas efetuadas pela Administração.”
Este artigo prevê
ainda que em cada de insuficiência económica, sobre o apoio judiciário, “a Administração
isentará, total ou parcialmente, o interessado do pagamento das taxas ou das
despesas”.
·
Princípio
do acesso à justiça
Este principio tem a sua sede legal no
artigo 12.º CPA, sendo que prevê que aos particulares seja “garantido
o acesso à justiça administrativa, a fim de obterem a fiscalização contenciosa dos
atos da Administração, bem como para tutela dos seus direitos ou interesses
legalmente protegidos, nos termos previstos na legislação reguladora do
contencioso administrativo”.
Para
além dos princípios referidos existem ainda outros,
como o princípio da legalidade, boa-fé, imparcialidade, justiça, igualdade,
proporcionalidade, entre outros.
-Qual a importância da participação dos cidadãos no procedimento?
A participação do particular no
procedimento administrativo é analisada não como mero meio de defesa nas suas
posições subjetivas perante a Administração, mas também como um expediente
organizativo destinado à tomada das melhores decisões administrativas
resultantes da cooperação entre a Administração e os particulares.
Para além disso, torna-se
evidente que se os particulares participarem no processo decisório, torna-se
mais fácil estes aceitarem a decisão da Administração.
Conclui-se por isso que a atuação
duma Administração num Estado Social de Direito Democrático tem ser baseada
numa participação ativa pelos particulares, dado que cada vez mais, com o
desenvolvimento das relações jurídicas multilaterais, as decisões da
Administração acarretam consequências na esfera jurídica duma pluralidade de
particulares.
“Os procedimentos juridicamente organizados fazem parte dos atributos
mais extraordinários do sistema político das sociedades modernas”, Niklas
Luhmann.
Rita Nobre
(n.º 140112032)
Sem comentários:
Enviar um comentário