terça-feira, 15 de abril de 2014

Caso Prático - 15/04/2014

Resolução do primeiro caso prático enunciado na aula de hoje, dia 15 de Abril de 2014

Para facilitar a compreensão da resolução, reproduzirei o texto da hipótese:

"Suponha que, nos termos da lei, poderá o Ministro da Juventude ou, por sua delegação, o respectivo Secretário de Estado, conceder subsídios até ao montante máximo de 5000€ a associações de coleccionadores que prestem apoio técnico a núcleos de coleccionadores existentes, no âmbito de organismos juvenis.

Invocando tal disposição, o clube de coleccionadores de soldadinhos de chumbo de Vila Franca de Xira solicitou ao Ministro um subsídio. Este indefere, alegando ser incompetente por ter já delegado tais poderes no Secretário de Estado.

Feito novo pedido, é o subsídio concedido pelo Secretário de Estado, em obediência a uma ordem do Ministro. Porém, o Secretário de Estado é posteriormente substituído, e o seu sucessor revoga a atribuição do subsídio, invocando a necessidade de maior contenção dos gastos.

O clube pede ao Secretário de Estado a revogação deste acto, e como não obtém qualquer resposta, ao fim de 4 meses decide impugnar contenciosamente tal silêncio.

A delegação inicial, do Ministro no Secretário de Estado não foi publicada.

Quid Juris?"

A resolução passará pela análise de cada facto relevante em termos jurídico administrativos, e as ilegalidades que poderão por este ser suscitadas, a nível orgânico, procedimental, formal ou material.

1. A delegação de competências do Ministro no Secretário de Estado.

Da leitura da hipótese prática, depreende-se que se verificam os três requisitos para a existência de delegação de poderes: a lei de habilitação, dois órgãos da mesma pessoa colectiva pública - dois quais um é o órgão normalmente competente, e um acto de delegação (art. 35º. nº1 CPA).

No entanto, é necessário analisar esse acto de delegação (art. 37º CPA).
Não é possível aferir do cumprimento de requisitos de validade, tendo em conta os dados mencionados na hipótese. Já quanto aos requisitos de eficácia, é dada uma informação fundamental: falta a publicação. Nesse sentido, conclui-se que o acto de delegação é ineficaz, por falta de publicação, e como tal, insusceptível de produzir efeitos jurídicos (art. 37º, nº2 CPA).

2. Indeferimento por parte do Ministro da Juventude.

Quanto a este acto, poder-se-ão colocar questões de competência, procedimentais e materiais.

Como já vimos, a delegação de competências do Ministro no Secretário de Estado é ineficaz. Como tal, não produz quaisquer efeitos jurídicos. Logo, a questão de competência, na realidade, não existe - é apenas o Ministro que a levanta - pois sabe-se que ele é, de facto, o órgão competente. 
De qualquer modo, é interessante a questão colocada, no âmbito da delegação de poderes: torna-se o órgão delegante incompetente em determinada matéria, após a delegação dos seus poderes sobre a mesma? Segundo a concepção tradicional, de Marcello Caetano, o delegante nunca perde os seus poderes, nem a possibilidade de os exercer - há apenas uma competência simultânea entre delegante e delegado sobre as matérias objecto de delegação. Todavia, como refere Freitas do Amaral, esta concepção encontra-se abandonada - ao invés, em cada momento, há apenas um órgão competente, nos casos de delegação de poderes; antes da delegação, só o eventual delegante é competente, mas praticada a delegação, só o delegado pode exercer os poderes delegados. No entanto, o delegante tem ainda a faculdade de avocação de casos concretos compreendidos no âmbito da delegação conferida, isto é, de chamar a si o exercício da competência nesses casos, o que seria bastante importante para o caso (art. 39º, nº2 CPA), pois decidida a avocação, de novo pode o delegante, e só ele, resolver o caso avocado. Nesse sentido, ainda que a delegação fosse eficaz, o Ministro teria ainda a faculdade de avocação, o que lhe permitira conceder o subsídio neste caso, no quadro das suas competências.

Do ponto de vista procedimental, em primeiro lugar, nada nos é referido acerca da notificação, que seria necessária neste caso (art. 66º, alínea a). Cumulativamente, não existiu qualquer audiência prévia, que seria também necessária (artº 100º, nº1 e 103º, nº 2, alínea b, a contrario).

A nível material, cumpre falar sobre a fundamentação dada pelo Ministro. Embora ela exista, e tenha sido respeitado o dever de fundamentação, dentro do procedimento administrativo, que existia neste caso concreto (art. 124º, nº1, alíneas a, c), ela não procede. Não só porque, como já vimos, a delegação de poderes efectuada é ineficaz, e o Ministro é competente, como, ainda que existisse, ele teria a faculdade de avocar, o que lhe permitiria atribuir o subsídio, no caso em concreto, ainda que a delegação tivesse sido regularmente efectuada e fosse o Secretário de Estado o órgão competente no momento da solicitação do subsídio.

Poder-se-á acrescentar uma informação adicional. O Ministro, achando-se incompetente, não deveria ter procedido como fez, indeferindo o pedido de atribuição do subsídio, o que em última análise corresponde a uma decisão no âmbito daquele procedimento. Uma vez que, a existir erro do particular, neste caso do clube, este seria era perfeitamente desculpável, uma vez que não tinha havido publicação do acto da delegação de poderes, e como o órgão supostamente competente (na maneira de ver do Ministro, o Secretário de Estado), pertence ao mesmo ministério, o Ministro devia ter-lhe oficiosamente remetido o pedido (art. 34º, nº1, alínea a), não indeferi-lo.

3. Concessão do subsídio pelo Secretário de Estado.

Em primeiro lugar, um excurso relacionado com a ordem do ministro. Fora este um caso de uma delegação de poderes eficaz, ainda que os poderes tivessem sido efectivamente delegados no Secretário de Estado, o Ministro teria, de qualquer forma, competência para emitir ordens, relativamente a como exercer esses mesmos poderes, ao abrigo da relação hierárquica que tem com o Secretário de Estado, na qual ocupa a posição de superior, enquanto que este último é seu subalterno.

Como é referido na hipótese, o pedido é feito de novo, e desta vez é o Secretário de Estado a responder.

Em termos de competência, uma vez que, como vimos, a delegação de poderes ao abrigo da qual o Secretário de Estado concede o subsídio é ineficaz, o acto pelo qual este atribui esse subsídio é ilegal, porque, sendo a delegação ineficaz, os seus efeitos não se produziram, isto é, não foram delegados quaisquer poderes, daí que o Secretário de Estado seja incompetente para conceder o subsídio.

De novo, a nível procedimental coloca-se de novo a questão da notificação, necessária (art. 66º, alínea a). A audiência pode, neste caso, ser dispensada (art. 103º, nº2, alínea b), e a fundamentação apenas será devida se exigida em lei especial (art. 124º, nº1).

4. Revogação da atribuição do subsídio.

Em primeiro lugar, a revogação é ilegal porque o novo Secretário de Estado é incompetente para a decretar. Como já tivemos oportunidade de verificar, já o anterior Secretário de Estado era incompetente no momento da atribuição do subsídio, e como tal, a atribuição foi ilegal e, por maioria ou igualdade de razão, também o seria o novo Secretário de Estado para revogar tal atribuição. No entanto, ainda que o acto de delegação de poderes inicial tivesse produzido os seus efeitos, a delegação ter-se-ia extinguido com a mudança dos titulares do órgão delegado, neste caso, o Secretário de Estado (art. 40º, alínea b) - a delegação de poderes tem carácter intuitu personae - e como tal, não só a atribuição do subsídio só poderia ser revogada com base na sua ilegalidade, o que não aconteceu (art. 141º, nº1), como não poderia ser o novo Secretário de Estado a fazê-lo, por não ser nem o autor de facto da atribuição, nem o autor de direito, isto é, aquele que teria sido competente para atribuir o subsídio em primeiro lugar (o anterior Secretário de Estado e o Ministro, respectivamente), como dita o art. 142º, nº 1 e 2. 

Em termos procedimentais, de novo é desrespeitado o dever de notificação (art. 66º, alínea a) e o de audiência prévia (artº 100º, nº1 e 103º, nº 2, alínea b, a contrario), e a fundamentação, ainda que existente, limita-se a uma fundamentação de facto, não contendo quaisquer elementos de direito (art. 125º, nº1).

Em termos materiais, poder-se-ia ainda contestar a proporcionalidade da decisão, na medida em que poderá não ser necessária para a prossecução do fim enunciado, de conter os gastos públicos.

5. O silêncio do Secretário de Estado.

Poder-se-ia colocar uma questão de competência quanto à eventual revogação do acto administrativo que revogou a atribuição do subsídio. No entanto, ainda que esse acto tenha sido inválido, uma vez que o novo Secretário de Estado não era para tal competente, ele é competente para revogá-lo, por ter sido seu autor de facto, com base na sua ilegalidade (art. 141º, nº1 e 142º, nº1).

Nesse sentido, este silêncio representa uma violação do princípio da decisão (art. 9º, nº1, alínea b), prolongando-se quer para além do prazo geral para os actos a praticar pelos órgãos administrativos, de 10 dias (art. 71º, nº1), quer para além do próprio prazo geral para a conclusão de procedimentos administrativos, de 90 dias (art. 58º, nº1) - o silêncio durou 4 meses, tendo sido "interrompido" apenas pela sua impugnação contenciosa.

Como tal, encontra-se inteiramente justificada a reacção do clube. No entanto, ao contrário do que sugere o art. 109, nº 1 e 2, tendo passado os 90 dias sem a emissão da decisão final, a consequência não é a da possibilidade da aplicação do instituto do indeferimento tácito, e consequente impugnação do acto ficcionalmente originado pelo silêncio, instituto esse que desapareceu com a reforma do CPTA, mas sim a da possibilidade de condenação à prática de acto devido, prevista nos artigos 66º e seguintes do CPTA - neste caso, todos os pressupostos são preenchidos, incluindo legitimidade e prazo, logo, seria certamente válida e adequada ao caso a acção para obtenção da condenação à prática de ato devido.

Rodrigo Moreira, nº 140112050

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