quarta-feira, 2 de abril de 2014

Os princípios da receita

Como já vimos em aula, tem a Administração um espaço de autonomia correspondente ao poder discricionário, isto é, o poder legal e jurídico, regulado e condicionado por lei. Podemos encontrar os princípios constitucionais limitadores da atividade administrativa material estatuídos no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), sendo que o nº 2 do aludido artigo refere que esse poder deve ser exercido segundo princípios de Justiça, Igualdade, Proporcionalidade, Imparcialidade e Boa Fé.
Primeiramente vamos analisar o princípio da Justiça, consagrado não apenas na CRP como visto acima, mas também no art.6º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
A Justiça é uma das noções mais difíceis de definir no Direito. Segundo Professor Freitas do Amaral, pode entender-se como o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana.
Este conceito impõe um dever, quer para o Estado, quer para o cidadão, aliás, como a maior parte dos princípios infra analisados. Engloba não apenas o que já é de alguém, mas também o que a justiça exige que passe a ser de alguém.
O art.266º/2 trata apenas do problema da justiça enquanto dever imposto à Administração Pública. Este é na verdade o princípio fundamental consagrado neste artigo, que se desdobra noutros subprincípios expressos no mesmo. A Justiça representa a finalidade última da subordinação da Administração ao Direito.
A ideia subjacente a este princípio está inequivocamente ligada à esfera da legalidade e não do mérito, tratando-se de um conjunto de valores supremos do ordenamento jurídico. Tendo sido o princípio da Justiça fonte a que a doutrina, a jurisprudência e o legislador foram buscar as bases de densificação de outros princípios, por um lado adquiriu, através deles, uma relevância mediata, mas por outro foi objeto de um progressivo esvaziamento.
Continuando na dissecação do artigo 266º, deparamo-nos com o princípio da Igualdade, estatuído não só da CRP, mas também no art.5º/1 do CPA, sendo que este constitui um limite que tanto os tribunais como as autoridades administrativas devem observar na sua atividade. Este princípio impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da sua diferença. Deve assegurar-se o tratamento das situações “de forma congruente com a sua semelhança ou dissemelhança substanciais”. Portanto este princípio proíbe a discriminação e obriga à diferenciação.
Para ver se uma medida é discriminatória tem que se analisar o fim visado pela medida, isolar as categorias objeto de tratamento idêntico ou diferenciado e analisar se é razoável, para a realização desse mesmo fim, a identidade ou a distinção do tratamento. Mas existe também uma obrigação de diferenciação.
A Igualdade não é um princípio absoluto, tem contudo de se verificar relativamente aos aspetos relevantes face ao poder administrativo exercido e do fim para o qual ele foi legalmente conferido.
De seguida, estudamos o princípio da Proporcionalidade, estando este, além de referido na CRP, ainda no art.2º do CPA. É considerado como uma manifestação essencial do princípio do Estado de Direito, dado que num Estado democrático, as decisões dos poderes públicos não podem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público. É ainda visto como o critério de controlo da atuação administrativa mais apurado, ao abrigo da margem de livre decisão.
Entende-se que “a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, e tolerável quando confrontada com aqueles fins”. Ou seja, este princípio engloba três dimensões essenciais: adequação, necessidade, razoabilidade. A primeira significa que a atuação em causa deve ser causalmente ajustada ao fim, ou seja, proíbe a adoção de condutas administrativas inaptas a atingir o fim visado. A segunda implica que não se considerem medidas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que se pretende atingir. Por fim, a última vertente exige que os benefícios alcançados suplantem os custos de atuação, ou seja, os custos que a medida administrativa acarreta.
Assim, este princípio postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio que representar um menor sacrifício para os particulares.
Quanto ao princípio da Imparcialidade, foi este, durante muito tempo, considerado como uma imposição feita à Administração de tratar de forma isenta os particulares, ou seja, de não os favorecer ou não o fazer por razões ligadas a titulares de órgãos ou agentes administrativos. Hoje em dia é visto como um “comando de tomada de consideração e ponderação da Administração e dos interesses públicos e privados relevantes para toda a sua atuação”.
Este princípio comporta uma dimensão positiva e uma negativa: a primeira impõe que, antes da decisão, a Administração tenha de ponderar todos os potenciais interesses para a posição que entender como certa, à luz do fim legal a prosseguir. A segunda proíbe a Administração de ter em conta interesses irrelevantes para a tomada da decisão.
A Administração Pública deve tomar decisões determinadas apenas com base em critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das suas atribuições específicas, não podendo estes ser influenciados por interesses alheios às mesmas. Ou seja, os órgãos e agentes administrativos têm que agir de forma isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que devem decidir ou sobre as quais se pronunciam.
É de notar que a afirmação deste princípio não invalida ou contraria a parcialidade como caraterística inerente da Administração Pública, visto estarem em níveis diferentes. Assim, a Administração deve ser imparcial na ponderação dos interesses públicos e privados sobre os quais a sua atuação se repercute, mas deve também ser necessariamente parcial no que toca à prossecução do interesse público.
Acrescenta-se ainda que “a violação do princípio da Imparcialidade não está dependente da prova de concretas atuações parciais, verificando-se sempre que um certo procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade”.
Por fim, last but not least, referimo-nos ao princípio da Boa Fé. Em primeiro lugar, é importante referir que este é o único princípio da atividade administrativa cuja teorização foi importada do direito privado. Está consagrado não só na CRP, como também no 6º-A do CPA e aplica-se não só à Administração, mas também aos particulares que com esta se relacionem.
Podemos identificar dois subprincípios. São eles o da materialidade subjacente e o da tutela da confiança.
O primeiro exprime a ideia de o direito procura a obtenção de resultados efetivos, não se satisfazendo com comportamentos que, embora formalmente correspondam a tais objetivos, falhem em atingi-los substancialmente. Não é muito aplicado por dois motivos: o primeiro é o facto de o seu conteúdo ser em grande medida restringido pela incidência do princípio da legalidade e o segundo, a circunstância de o seu conteúdo útil pouco ou nada acrescentar àquilo que decorre já do princípio da proporcionalidade.
O segundo subprincípio é mais relevante para o direito administrativo. Visa este salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente previsíveis daqueles com quem se relacionem. Qual é, então, o alcance deste subprincípio? A resposta é dada através do entendimento do mesmo como limite da margem de livre decisão administrativa: ele poderá bloquear a adoção de uma conduta ou obrigar a administração a decidir-se por outra, apenas na medida em que tais comportamentos se encontrem no âmbito daquela margem de livre decisão.
          Assim, a Boa Fé determina a tutela das situações de confiança e procura assegurar a conformidade não apenas formal, mas material das condutas aos objetivos do ordenamento jurídico.

                São então estes, numa analogia ao cozinheiro que interpreta as suas receitas, os elementos que no final do dia vão permitir que possamos optar pela melhor manteiga, se com sabor a ranço ou não, com ou sem sal, e a ideal espessura da fatia de pão saloio a utilizar. 


Beatriz Albuquerque, Nº 140112029 
Rui Figueiredo Ribeiro, Nº 140112067


Sem comentários:

Enviar um comentário