Como já vimos
em aula, tem a Administração um espaço de autonomia correspondente ao poder
discricionário, isto é, o poder legal e jurídico, regulado e condicionado por
lei. Podemos encontrar os princípios constitucionais limitadores da atividade
administrativa material estatuídos no artigo 266º da Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP), sendo que o nº 2 do aludido artigo refere que esse
poder deve ser exercido segundo princípios de Justiça, Igualdade, Proporcionalidade,
Imparcialidade e Boa Fé.
Primeiramente
vamos analisar o princípio da Justiça,
consagrado não apenas na CRP como visto acima, mas também no art.6º do Código
de Procedimento Administrativo (CPA).
A Justiça é
uma das noções mais difíceis de definir no Direito. Segundo Professor Freitas
do Amaral, pode entender-se como o conjunto de valores que impõem ao Estado e a
todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da
dignidade da pessoa humana.
Este conceito
impõe um dever, quer para o Estado, quer para o cidadão, aliás, como a maior
parte dos princípios infra analisados. Engloba não apenas o que já é de alguém,
mas também o que a justiça exige que passe a ser de alguém.
O art.266º/2
trata apenas do problema da justiça enquanto dever imposto à Administração
Pública. Este é na verdade o princípio fundamental consagrado neste artigo, que
se desdobra noutros subprincípios expressos no mesmo. A Justiça representa a
finalidade última da subordinação da Administração ao Direito.
A ideia subjacente
a este princípio está inequivocamente ligada à esfera da legalidade e não do
mérito, tratando-se de um conjunto de valores supremos do ordenamento jurídico.
Tendo sido o princípio da Justiça fonte a que a doutrina, a jurisprudência e o legislador
foram buscar as bases de densificação de outros princípios, por um lado
adquiriu, através deles, uma relevância mediata, mas por outro foi objeto de um
progressivo esvaziamento.
Continuando na
dissecação do artigo 266º, deparamo-nos com o princípio da Igualdade, estatuído não só da CRP, mas também no art.5º/1 do CPA,
sendo que este constitui um limite que tanto os tribunais como as autoridades
administrativas devem observar na sua atividade. Este princípio impõe que se
trate de modo igual o que é juridicamente igual e de modo diferente o que é
juridicamente diferente, na medida da sua diferença. Deve assegurar-se o
tratamento das situações “de forma congruente com a sua semelhança ou
dissemelhança substanciais”. Portanto este princípio proíbe a discriminação e
obriga à diferenciação.
Para ver se
uma medida é discriminatória tem que se analisar o fim visado pela medida,
isolar as categorias objeto de tratamento idêntico ou diferenciado e analisar
se é razoável, para a realização desse mesmo fim, a identidade ou a distinção
do tratamento. Mas existe também uma obrigação de diferenciação.
A Igualdade
não é um princípio absoluto, tem contudo de se verificar relativamente aos
aspetos relevantes face ao poder administrativo exercido e do fim para o qual
ele foi legalmente conferido.
De seguida,
estudamos o princípio da Proporcionalidade, estando este, além de referido na CRP, ainda no
art.2º do CPA. É considerado como uma manifestação essencial do princípio do
Estado de Direito, dado que num Estado democrático, as decisões dos poderes
públicos não podem exceder o estritamente necessário para a realização do
interesse público. É ainda visto como o critério de controlo da atuação
administrativa mais apurado, ao abrigo da margem de livre decisão.
Entende-se que
“a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes deve ser
adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, e tolerável
quando confrontada com aqueles fins”. Ou seja, este princípio engloba três
dimensões essenciais: adequação, necessidade, razoabilidade. A primeira
significa que a atuação em causa deve ser causalmente ajustada ao fim, ou seja,
proíbe a adoção de condutas administrativas inaptas a atingir o fim visado. A segunda
implica que não se considerem medidas que não sejam indispensáveis para a
prossecução do fim que se pretende atingir. Por fim, a última vertente exige
que os benefícios alcançados suplantem os custos de atuação, ou seja, os custos
que a medida administrativa acarreta.
Assim, este
princípio postula que a Administração prossiga o interesse público pelo meio
que representar um menor sacrifício para os particulares.
Quanto ao
princípio da Imparcialidade, foi
este, durante muito tempo, considerado como uma imposição feita à Administração
de tratar de forma isenta os particulares, ou seja, de não os favorecer ou não
o fazer por razões ligadas a titulares de órgãos ou agentes administrativos. Hoje
em dia é visto como um “comando de tomada de consideração e ponderação da
Administração e dos interesses públicos e privados relevantes para toda a sua
atuação”.
Este princípio
comporta uma dimensão positiva e uma negativa: a primeira impõe que, antes da
decisão, a Administração tenha de ponderar todos os potenciais interesses para
a posição que entender como certa, à luz do fim legal a prosseguir. A segunda
proíbe a Administração de ter em conta interesses irrelevantes para a tomada da
decisão.
A
Administração Pública deve tomar decisões determinadas apenas com base em
critérios objetivos de interesse público, adequados ao cumprimento das suas atribuições
específicas, não podendo estes ser influenciados por interesses alheios às
mesmas. Ou seja, os órgãos e agentes administrativos têm que agir de forma
isenta e equidistante relativamente aos interesses em jogo nas situações que
devem decidir ou sobre as quais se pronunciam.
É de notar que
a afirmação deste princípio não invalida ou contraria a parcialidade como
caraterística inerente da Administração Pública, visto estarem em níveis diferentes.
Assim, a Administração deve ser imparcial na ponderação dos interesses públicos
e privados sobre os quais a sua atuação se repercute, mas deve também ser
necessariamente parcial no que toca à prossecução do interesse público.
Acrescenta-se
ainda que “a violação do princípio da Imparcialidade não está dependente da
prova de concretas atuações parciais, verificando-se sempre que um certo
procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de
imparcialidade”.
Por fim, last but not
least, referimo-nos ao princípio da Boa
Fé. Em primeiro lugar, é importante referir que este é o único princípio da
atividade administrativa cuja teorização foi importada do direito privado. Está
consagrado não só na CRP, como também no 6º-A do CPA e aplica-se não só à Administração,
mas também aos particulares que com esta se relacionem.
Podemos identificar dois subprincípios. São eles o da
materialidade subjacente e o da tutela da confiança.
O primeiro exprime a ideia de o direito procura a obtenção
de resultados efetivos, não se satisfazendo com comportamentos que, embora
formalmente correspondam a tais objetivos, falhem em atingi-los
substancialmente. Não é muito aplicado por dois motivos: o primeiro é o facto
de o seu conteúdo ser em grande medida restringido pela incidência do princípio
da legalidade e o segundo, a circunstância de o seu conteúdo útil pouco ou nada
acrescentar àquilo que decorre já do princípio da proporcionalidade.
O segundo subprincípio é mais relevante para o
direito administrativo. Visa este salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações
injustificadamente previsíveis daqueles com quem se relacionem. Qual é, então,
o alcance deste subprincípio? A resposta é dada através do entendimento do
mesmo como limite da margem de livre decisão administrativa: ele poderá
bloquear a adoção de uma conduta ou obrigar a administração a decidir-se por
outra, apenas na medida em que tais comportamentos se encontrem no âmbito daquela
margem de livre decisão.
São
então estes, numa analogia ao cozinheiro que interpreta as suas receitas, os
elementos que no final do dia vão permitir que possamos optar pela melhor
manteiga, se com sabor a ranço ou não, com ou sem sal, e a ideal espessura da
fatia de pão saloio a utilizar.
Beatriz Albuquerque, Nº 140112029
Rui Figueiredo Ribeiro, Nº 140112067
Sem comentários:
Enviar um comentário