segunda-feira, 12 de maio de 2014

A noção de acto definitivo e executório

A noção substantiva de acto administrativo recorrível, é a do acto definitivo e executório. Trata-se de um conceito originário da doutrina clássica da escola de Lisboa e que foi adoptado pelo legislador ordinário ( artigo 25º nº1 da LEPTA).
Relativamente a esta questão o Professor Vasco Pereira da Silva não partilha desta opinião, uma vez que esta mesma disposição deveria ser considerada caducada por inconstitucionalidade superveniente, em virtude do artigo 268º, nº4 da Constituição.
De acordo com o Professor Freitas do Amaral o acto definitivo e executório é um conceito da maior importância no Direito Administrativo, sobretudo porque é nele que assenta a garantia do recurso contencioso, ou seja, o direito que os particulares têm de recorrer para os tribunais administrativos contra os actos ilegais da administração pública. 
Para Marcello Caetano, "o acto tem de ser ao mesmo tempo definitivo e executório, e tem de traduzir a manifestação do poder administrativo, na medida em que este dispensa a intervenção de qualquer outra autoridade para definir posições jurídicas com força obrigatória e eventualmente coerciva".
É considerado o acto " mais que perfeito". 
O acto definitivo 
Era inicialmente qualificado pela sua definitividade. 
Segundo Professor Marcello Caetano, o acto definitivo é a " resolução final que define a situação jurídica da pessoa cujo órgão se pronunciou ou de outra que com ela está ou pretende estar em relação administrativa".
Este acto era não só resultado do termo do procedimento mas também da decisão pelo órgão máximo da Administração. 
1 : o acto que ponha termo a um processo gracioso ou a um incidente autónomo desse processo;
2: que não caiba recurso na ordem hierárquica;
      a) por pertencer à competência exclusiva de que o praticou;
      b) por não haver para quem interpô-lo;
      c) ou por não ter sido interposto oportunamente.
 
Já a posição de Freitas do Amaral, recorre a três critérios diferentes:
      a) " localização temporal do acto no procedimento"- definitividade horizontal;
      b) " localização hierárquica do autor do acto"- definitividade vertical;
      c) " o conteúdo do acto administrativo"- definitividade material . Para ser definitivo em sentido material, o " acto tem de ter por conteúdo a definição de situações jurídicas".
 
Para o Professor Freitas do Amaral a "definitividade horizontal "é a característica do acto administrativo que constitui a resolução final do procedimento administrativo" .
E o acto final e conclusivo  que põe termo ao processo . Só são recorríveis os actos administrativos que pronunciam a resolução final , uma vez que apenas constitui acto definitivo esta ultima,os outros actos que a antecederam são meros actos preparatórios. 
 
A definição de acto recorrível, tornou-se insuficiente em face das necessidades de controlo da Administração.
Neste sentido passa a ser essencial não só a decisão final, mas também aquele acto que foi praticado no decurso de um processo, este acto vai implicar de per si a resolução final, relativamente a certa pessoa ou compromete em certo sentido a decisão a tomar ( Professor Marcello Caetano) e que, como tal, deve ser recorrível.
 
De acordo com o Professor Marcello Caetano existem ainda dois outros casos de actos administrativos:
- os que põem termo a um incidente autónomo, dentro do procedimento; 
- e os que implicam resolução final para certa pessoa impedindo a sua continuação no procedimento.
 
O Professor Vasco pereira da silva ,  entende não fazer sentido afirmar que , são recorríveis as actuações administrativas que põem termo ao procedimento e justifica em, primeiro lugar, porque pode não ter como resultado um acto contenciosamente impugnável e em segundo lugar, porque podem ser praticados actos que embora não constituam o termo do procedimento podem afectar direitos dos particulares e nessa situação os actos devem ser imediatamente recorridos.
Assim , temos de admitir a recorribilidade dos açtos administrativos que são lesivos dos interesses dos particulares, em qualquer fase do procedimento.
 
Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, a revisão constitucional de 89 veio garantir aos interessados o recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos que lesem os direitos ou interesses legalmente protegidos ( art. 268 n,4 da CRP.
Assim sendo, não é mais necessário alargar a noção de definitividade uma vez que esse critério deixou de ser determinante para se chegar ao tribunal administrativo. 
Pelo que, qualquer acto administrativo lesivo dos interessados é susceptível de impugnação contenciosa. 
 
Segundo o Professor Freitas do Amaral, a definitividade vertical implica que não há recurso direto para os tribunais administrativos dos actos do subalterno. Assim, o particular lesado teria, primeiramente, de esgotar o recurso hierárquico e só depois recorrer para um tribunal administrativo. Excepção feita quando o subalterno prática actos administrativos no âmbito da sua competência exclusiva.
Mais uma vez o professor Vasco pereira da silva não partilha desta opinião, quanto a definitividade vertical, uma vez que , para este professor não existem grandes diferenças de natureza entre o acto do subalterno e do superior hierárquico . São ambas actuações administrativas externas e lesivas dos direitos dos particulares. 
Para o Professor Vasco Pereira da Silva, a decisão do super hierárquico é materialmente idêntica a qualquer outro acto admnistrativo e como tal, à luz do artigo 268º, nº4 da constituição, não é necessário esgotar a via do recurso hierárquico previamente à do recurso contencioso. 
 
Quanto à definitividade em sentido material o Professor Freitas do Amaral definia esta situação " como o acto administrativo que no exercício do poder administrativo define a situação jurídica do particular perante a administração, ou a administração perante um particular".
Esta noção foi objecto de críticas tanto da doutrina como da jurisprudência.
 
Na perspectiva do Professor Vasco Pereira da Silva, a noção de definitividade  material assenta na concepção clássica de acto administrativo. Contudo, tal definição não corresponde às realidades da moderna administração.
Na verdade, os actos administrativos de hoje não são só decisões unilaterais da administração, há actuações constitutivas na satisfação das necessidades colectivas, muitas vezes, a pedido dos próprios particulares.
Ora a recorribilidade de um acto administrativo não pode depender da noção de definitividade material na medida em que poderia deixar sem controlo jurisdicional  uma grande parte das actuações administrativas, ou seja, todas as decisões consensuais ou participadas e deixaria ainda sem proteção direitos subjectivos dos particulares perante a administração. 
Motivo pelo qual, o professor Vasco pereira da silva, entende que deve ser abandonada a definição de definitividade material. 
 
Acto executório 
Para além da questão da definitividade considerava-se , ainda,  que a admissibilidade do recurso contencioso também dependia da executoriedade do acto administrativo. 
Para o Professor Marcello Caetano, a executoriedade compreende " a obrigatoriedade e a possibilidade de coação coativa". 
Assim é o acto administrativo que obriga por si e cuja execução coerciva a lei permite independentemente de sentença judicial. 
Para Freitas do Amaral é no acto executório que a administração  pública impõe aos particulares a sua pujança, ou seja, o privilégio da execução prévia.
Para este professor, os actos administrativos que não são obrigatórios, não são susceptíveis de execução coerciva por via administrativa.
 Freitas do Amaral considera que a regra geral é que todos os actos " da administração pública beneficiam do privilégio da execução prévia, por isso os casos de actos administrativos que são susceptíveis de avaliação coerciva, por via administrativa constituem excepção".
Ora desta posição não se afirma a irrecorribilidade dos actos não executórios.
De facto , ou o recurso contencioso só pode ter por objecto actos executórios e em consequência, os actos que não tem estas características não podem ser impugnados, ou se admite o recurso contencioso de actos administrativos que não são executorios e então significa que a executoriedade não é característica dos actos recorríveis.
Além do mais, impedir a recorribilidade de actos não executorios, mas ilegalmente executados, seria um prejuízo grave para os particulares e dessa forma priva-los-ia da garantia constitucional prevista no artigo 268, n4 da constituição.
Foram várias as tentativas doutrinárias que tentaram salvar o conceito de executoriedade como característica do acto recorrível. Contudo em vão.
Na realidade, as transformações ocorridas a nível da administração colocaram em risco as concepções autoritárias do acto administrativo. 
Existem hoje actuações de natureza prestadora ou mesmo actos permissivos por parte da administração, não fazendo qualquer sentido continuar a falar da obrigatoriedade como característica dos actos administrativos.
 
Em conclusão, o critério da obrigatoriedade não pode ser utilizado como critério da recorribilidade. 
E nem o facto de a doutrina do acto executório, utilizar a expressão de execução forçada num terceiro sentido, que é de eficácia do acto administrativo, salva a teoria de que o acto só é recorrível quando definitivo e executório.
O professor Vasco Pereira da Silva conclui que a noção de executoriedade ainda tem mais defeitos do que a de definitividade porque a obrigatoriedade não é uma característica dos actos administrativos , mas só dos actos imperativos. E a susceptibilidade de execução forçada não é uma característica dos actos recorríveis. 
Actualmente existem muitos actos administrativos que são insusceptíveis de execução forçada pela via administrativa, para além do mais, existem também actos administrativos cuja execução coerciva é proibida pela via administrativa.
Pelas razões expostas, no entendimento do Professor Vasco Pereira da Silva, a noção de executoriedade tem de ser abandonada como característica de acto recorrível. 
Acresce ainda, que à luz do artigo 268º, nº4 da constituição é garantido o recurso contencioso , contra quaisquer actos administrativos que lesem direitos dos particulares, pelo que caduca, por inconstitucionalidade superveniente, os pressupostos processuais da definitividade e executoriedade. 
Assim, a referência ao acto executório no código do procedimento administrativo é uma expressão infeliz, mas nem por isso a executoriedade nasceu como critério de determinação dos actos susceptíveis de recurso contencioso, uma vez que as normas de procedimento administrativo não podem restringir o direito fundamental de acesso à justiça administrativa contido no artigo já referido. 
 
 

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