sexta-feira, 16 de maio de 2014

Anotação ao Ac. de Nº de Proc.000/14.0TCADG do Tribunal Administrativo de Círculo do Dragão

Como advogado da ONGA Amigos do Bobby e representante da mesma no âmbito deste processo judicial, e enquanto jurista, e protector dos direitos dos animais, não consegui abster-me de fazer esta pequena breve anotação ao ponto XXVII da resposta do Douto Tribunal ao pedido feito por essa benemérita associação.

Segundo o Tribunal, "embora haja uma possível infracção desta norma (entenda-se, o art. 66º da CRP), a mesma é uma norma programática, pelo que precisa sempre de precisão normativa para ser concretizada. Assim, esta não poderá ser directamente infrigida, pois como foi referido, é apenas uma norma programática, não exequível, não podendo assim ser infringida directamente".

Segundo Jorge Miranda, “entre normas preceptivas e normas programáticas não há uma diferença de estrutura e de projecção no ordenamento. Tão pouco se vislumbram dois graus de validade, mas só de realização ou de efectividade”.

O facto de as normas programáticas terem como destinatário primacial o legislador não faz com que este seja o único destinatário destas normas. As normas programáticas, ao contrário das preceptivas, caracterizam-se por serem de aplicação diferida, e não de aplicação e execução imediata. Prescrevem obrigações de resultado, não obrigações de meios.

Contudo, “nenhum desses traços definidores briga com a juridicidade das normas programáticas”. E Jorge Miranda qualifica igualmente como “pretensa” a impossibilidade de quaisquer cidadãos exercerem só por si os direitos que as normas programáticas atribuam – porquanto podem ser muito diversas as posições dos cidadãos perante as normas jurídicas.

No entanto, a questão que se colocava perante o tribunal não era inteiramente esta. O pedido feito pela Amigos do Bobby prendia-se não com a violação de uma norma programática, mas sim com a violação do direito fundamental que esta consagra. 

Maria da Glória Garcia e Gonçalo Matias anotaram o artigo 66º da CRP no âmbito da obra "Constituição da República Portuguesa Anotada", de Jorge Miranda e Rui Medeiros.

Segundo a sua anotação, a protecção do ambiente operada a nível constitucional em Portugal abarca quer a sua configuração como tarefa do Estado (art. 9º, alínea d, em conjugação com art. 66º, nº 2), quer a sua elevação ao patamar de direito fundamental, neste caso direito económico social e cultural (art. 66º, nº 1).

Este direito fundamental ao ambiente co-envolve o dever de todos contribuírem para o que do Estado solicitam, isto é, em concreto, a defesa do ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, o que abre espaço para a dimensão auto-reflexiva do direito.

Como instrumento de defesa, contabilizam o direito de acção popular, uma efectiva garantia jurisdicional, que traduz-se no reconhecimento de uma específica acção judicial, que envolve uma maior amplitude de defesa dos bens ambientais, através do alargamento da legitimidade processual activa e por apelo ao conceito de interesses difusos. v. por exemplo Acórdão do STA de 29 de Abril de 2003, no processo nº 047545.

Como tal, pretende apenas clarificar-se que não é por encontrar a sua consagração como direito fundamental colada à sua consagração como tarefa a desempenhar pelo Estado que o direito fundamental ao ambiente perde a sua tutela jurisdicional, tal como ocorreu neste caso, em que os moradores do Bairro Freud se viram privados dessa tutela face ao seu direito. Tal como ocorre em muitos outros casos, o art. 66º da CRP não encerra apenas uma norma. Compreende tanto a norma preceptiva que consagra o direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida, no seu nº 1, como a norma programática, no seu nº 2. 

Encerra-se assim a anotação, com uma nota de louvor ao restante acórdão proferido pelo Tribunal, que correctamente condenou o município à prática de acto devido, e correctamente exigiu deste e da SPA ao pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pelos donos de animais encontrados pelos funcionários do canil, no seu tratamento médico posterior. Um grande dia para a defesa dos direitos dos animais.

Rodrigo Moreira, nº 140112050

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