quinta-feira, 8 de maio de 2014

O Acto Revogatório, Outro episódio da série "Direito Administrativo e o eterno duelo de titãs"

Que o reino do Direito Administrativo não é, de todo, um reino pacífico já nós sabemos. O episódio de hoje relata a guerra do acto revogatório, ainda a decorrer nos nossos dias e sem previsões de solução.
O Acto Revogatório visa a extinção parcial ou total dos efeitos jurídicos de um acto administrativo primário, integrando-se portanto na categoria dos actos secundários, cuja eficácia depende da existência de um acto administrativo prévio.
Este é único aspecto relativo ao acto em análise em que a doutrina concorda: tudo o resto é alvo de uma enorme querela.
A polémica principal incide sobre qual o órgão competente para a prática do dito acto: o  artigo 142º, nº1 do CPA atribui competência para a prática do acto revogatório ao “seu autor”.
Na maioria das vezes esta expressão remete-nos para o próprio órgão que praticou o acto administrativo, isto porque pressupõe-se que o órgão que o praticou dispunha de competência para o fazer. Mas como proceder nas situações em que o órgão que praticou o acto não dispunha de competência legal para o fazer?
É precisamente essa a trombeta que toca dando início a esta guerra. Aqueles que defendem que a competência revogatória recairá sobre o órgão que praticou o acto (Teoria do Autor Efectivo) defrontam-se com os defensores de que esta recairá sobre o órgão legalmente competente para o praticar (Teoria do Autor Legal).
Comecemos por analisar o lado defensor do Autor Legal. Esta parte começa a sua investida argumentando que se o autor efectivo não tinha competência para praticar os actos, então seria um pouco contraditório e até contrário aos princípios do sistema conceder-lhe o poder para os revogar.
Luta neste pelotão, usando esta mesma arma o Professor Robin de Andrade. A ele junta-se ainda o Professor Sérvulo Correia, arremessando que a competência revogatória é um desenvolvimento jurídico da competência dispositiva. Podemos ainda incluir neste lado da batalha muitas outras armas, onde destaco: o argumento de que  a Teoria do Autor Efectivo não só permite, como incentiva, a prática de uma dupla ilegalidade, isto é, uma dupla incompetência quer para a prática do acto revogado, quer para a prática do acto revogatório; o artigo 137º, nº3 do CPA, que me parece defender a Teoria do Autor Legal, uma vez que seria contraditório atribuir ao órgão incompetente poderes de ratificação do acto praticado e vedar-lhe competência revogatória; o facto da Teoria do Autor efectivo poder prejudicar a efectiva revogação de um acto ilegal, uma vez que concede ao próprio infractor a faculdade de revogar ou não o seu acto, o que levado às últimas consequências pode violar o legítimo interesse dos particulares e ainda a questão de a Teoria do Autor Efectivo conceder a faculdade de ser o autor efectivo a revogar o acto ilegal por si praticado, o que leva a que se prive um órgão legalmente competente de parte da sua competência dispositiva para regular a situação jurídica que lhe competia.
No entanto, a guerra não se faz sem duas partes! Importa até referir que a Teoria do Autor Legal por si só, poderia levar a consequências indesejadas pelo Ordenamento jurídico. É esta a principal arma destes soldados: argumentam que a Teoria do Autor Legal é a que melhor se harmoniza com a protecção dos interesses dos particulares, assegurando que em caso de incompetência do acto administrativo praticado, o autor legal pode sempre recorrer ao seu poder revogatório a fim de reestabelecer a legalidade e coerência jurídica.
O Professor Sérvulo Correia, aliciado pela veracidade deste argumento, acrescenta que, em virtude do dever de controlo da legalidade dos actos praticados que recai sobre todos os órgãos administrativos, pode o autor efectivo revogar o acto por si praticado quando reconheça que incorreu num vício de incompetência, tendo oportunidade de se redimir, embora não tenha a exclusividade da competência revogatória.
Abandona assim o seu pelotão e forma uma nova frente de batalha, defendendo uma posição intermédia. A si junta-se o Professor Vasco Pereira da Silva, trazendo consigo a arma fulcral de toda a batalha: a conjugação de ambas as Teorias a fim de garantir uma maior tutela dos particulares e dos seus interesses, objectivo basilar do Direito Administrativo vanguardista.
Podemos assim discutir se estaremos realmente perante um terceiro pelotão nesta batalha interminável ou mais concretamente perante uma “comissão de conciliação”.

Maria Inês Serrazina

140112006

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