Que o reino do Direito Administrativo não é, de todo,
um reino pacífico já nós sabemos. O episódio de hoje relata a guerra do acto
revogatório, ainda a decorrer nos nossos dias e sem previsões de solução.
O Acto Revogatório visa a extinção parcial ou total
dos efeitos jurídicos de um acto administrativo primário, integrando-se
portanto na categoria dos actos secundários, cuja eficácia depende da
existência de um acto administrativo prévio.
Este é único aspecto relativo ao acto em análise em
que a doutrina concorda: tudo o resto é alvo de uma enorme querela.
A polémica principal incide sobre qual o órgão competente
para a prática do dito acto: o artigo
142º, nº1 do CPA atribui competência para a prática do acto revogatório ao “seu
autor”.
Na maioria das vezes esta expressão remete-nos para o
próprio órgão que praticou o acto administrativo, isto porque pressupõe-se que
o órgão que o praticou dispunha de competência para o fazer. Mas como proceder
nas situações em que o órgão que praticou o acto não dispunha de competência
legal para o fazer?
É precisamente essa a trombeta que toca dando início a
esta guerra. Aqueles que defendem que a competência revogatória recairá sobre o
órgão que praticou o acto (Teoria do Autor Efectivo) defrontam-se com os
defensores de que esta recairá sobre o órgão legalmente competente para o
praticar (Teoria do Autor Legal).
Comecemos por analisar o lado defensor do Autor Legal.
Esta parte começa a sua investida argumentando que se o autor efectivo não
tinha competência para praticar os actos, então seria um pouco contraditório e
até contrário aos princípios do sistema conceder-lhe o poder para os revogar.
Luta neste pelotão, usando esta mesma arma o Professor
Robin de Andrade. A ele junta-se ainda o Professor Sérvulo Correia, arremessando
que a competência revogatória é um desenvolvimento jurídico da competência
dispositiva. Podemos ainda incluir neste lado da batalha muitas outras armas,
onde destaco: o argumento de que a Teoria
do Autor Efectivo não só permite, como incentiva, a prática de uma dupla
ilegalidade, isto é, uma dupla incompetência quer para a prática do acto
revogado, quer para a prática do acto revogatório; o artigo 137º, nº3 do CPA,
que me parece defender a Teoria do Autor Legal, uma vez que seria contraditório
atribuir ao órgão incompetente poderes de ratificação do acto praticado e vedar-lhe
competência revogatória; o facto da Teoria do Autor efectivo poder prejudicar a
efectiva revogação de um acto ilegal, uma vez que concede ao próprio infractor
a faculdade de revogar ou não o seu acto, o que levado às últimas consequências
pode violar o legítimo interesse dos particulares e ainda a questão de a Teoria
do Autor Efectivo conceder a faculdade de ser o autor efectivo a revogar o acto
ilegal por si praticado, o que leva a que se prive um órgão legalmente
competente de parte da sua competência dispositiva para regular a situação
jurídica que lhe competia.
No entanto, a guerra não se faz sem duas partes!
Importa até referir que a Teoria do Autor Legal por si só, poderia levar a
consequências indesejadas pelo Ordenamento jurídico. É esta a principal arma
destes soldados: argumentam que a Teoria do Autor Legal é a que melhor se harmoniza
com a protecção dos interesses dos particulares, assegurando que em caso de
incompetência do acto administrativo praticado, o autor legal pode sempre
recorrer ao seu poder revogatório a fim de reestabelecer a legalidade e
coerência jurídica.
O Professor Sérvulo Correia, aliciado pela veracidade
deste argumento, acrescenta que, em virtude do dever de controlo da legalidade
dos actos praticados que recai sobre todos os órgãos administrativos, pode o
autor efectivo revogar o acto por si praticado quando reconheça que incorreu
num vício de incompetência, tendo oportunidade de se redimir, embora não tenha
a exclusividade da competência revogatória.
Abandona assim o seu pelotão e forma uma nova frente
de batalha, defendendo uma posição intermédia. A si junta-se o Professor Vasco
Pereira da Silva, trazendo consigo a arma fulcral de toda a batalha: a conjugação
de ambas as Teorias a fim de garantir uma maior tutela dos particulares e dos
seus interesses, objectivo basilar do Direito Administrativo vanguardista.
Podemos assim discutir se estaremos realmente perante
um terceiro pelotão nesta batalha interminável ou mais concretamente perante
uma “comissão de conciliação”.
Maria Inês Serrazina
140112006
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