quinta-feira, 15 de maio de 2014

Alegações Finais - Amigos do Bobby

O seguinte texto corresponde às alegações finais que iriam ser proferidas pelo grupo representante da ONGA - Amigos do Bobby

Exmo.ºs Senhores Juízes de Direito,

Em representação da Organização Não governamental de Ambiente de nome "Amigos do Bobby", a nível jurídico, e em nome próprio, como cidadão, como paladino dos valores que acredito serem os que caracterizam, ou deveriam caracterizar, a sociedade portuguesa dos nossos dias, aqui me encontro, chocado, ultrajado, mas determinado a defender a verdade, e determinado a defender uma causa.

Durante todo o percurso deste processo judicial, até este preciso momento em que me encontro perante vós, um sentimento de profunda injustiça tem vindo a assolar o meu espírito.

Proteger animais não é uma tarefa fácil. Eles não falam. Muitos membros da Ré SPA sabem-no, pois disso fizeram a sua vida; mas pelos vistos, muitos também não o sabem, pois nunca o tentaram fazer. É desolador ver uma organização em que sempre acreditámos, que sempre lutou por uma causa em que tão fortemente cremos, reduzida a tão pouco, tão despida dos valores que presidiram à sua criação. De facto, num dia se destrói o que uma vida demorou a construir. Apesar das óbvias falhas que foram justamente por nós apontadas ao Município do Dragão ao longo deste processo, é na Sociedade Protectora dos Animais que encontramos a nossa maior desilusão a título pessoal.

Assistimos à destruição sistemática da credibilidade de uma antiga instituição, que acreditávamos ser a grande bandeira da defesa dos animais em Portugal. Assistimos À continuação daquela que tem sido a política de desresponsabilização por parte de alguns municípios portugueses quando estão em causa violações das normas que impõem condições mínimas para o desenvolvimento e sobrevivência dos animais, e para a própria garantia da saúde pública e demais questões do foro ambiental.

"Os animais são coisas aos olhos do Direito", "nem têm dono (são verdadeiras res nullius, pois são abandonados)"; "não há qualquer lesado a ser ressarcido". 

É este o estado actual da mais afamada, hoje infame, organização de protecção dos animais em Portugal (citações retiradas da sua contestação).

"Eu, como Presidente, tenho que tomar decisões rápido, e se tiver que prescindir de uns quantos requisitos para garantir a saúde dos meus cidadãos, prefiro fazê-lo, é mais importante que proteger os animais". 

Palavras do (felizmente) antigo Presidente da Câmara do Município do Dragão, Bruno de Carvalho, que em pleno tribunal assumiu o desrespeito pela lei.

Mas chegados ao final deste longo e tortuoso caminho, um último esforço impõe-se. É preciso erguer a cabeça e lutar pelos valores que em primeiro lugar levaram esta pequena organização, sem quaisquer fundos, de bolsos vazios mas de coração bem cheio, a erguer-se contra a injustiça que tem sido prática corrente no município do Dragão.

Agradeço desde já aos meus ilustres colegas, em quem uma vez mais vi a minha confiança renovada, por tão valentemente terem enfrentado hoje uma tarefa que não se avizinhava como fácil, tendo em conta o orçamento e recursos das três entidades que hoje se apresentaram a juízo. Com o pouco que tínhamos, pois mais e melhor não nos foi humanamente possível apresentar, conseguimos arrancar os factos necessários de quem os pretendia guardar, e que me permitem agora, com orgulho e sentimento de dever cumprido, dizer:

  1. Que é inegável, e facto nem sequer contestado pelos réus, a violação do art. 3º, nº1 do Decreto-Lei nº 315/2003, de 17 de Dezembro, relativamente à licença de funcionamento a emitir pelo Director Geral de Veterinária, sob parecer da DRA da área de localização e do médico veterinário municipal, que era necessária num momento prévio à instalação do canil. Pelo contrário, é inclusivamente manifesto o dolo, por parte do então Presidente da Câmara Municipal, ainda que necessário e não directo, nesta violação;
  2. Que não existiu qualquer fundamento de Direito, nem satisfatória fundamentação de facto da recusa sistemática, ao longo destes 12 anos, por parte do município, para a realização de obras no canil;
  3. Que não houve qualquer audiência prévia à recusa da realização de obras: o município não ouviu a SPA, nem a Associação de Moradores do Bairro Freud, e não respondeu a quaisquer tentativas de comunicação por parte destes com a devida diligência;
  4. Que o contrato de concessão, lamentavelmente produzido de forma tardia, demonstra a ausência da provisoriedade da mesma, o que é confirmado pelo período de 12 anos já decorrido, e nunca isentaria a violação do requisito do licenciamento formal do canil;
  5. Que a violação temporária da lei não deixa de ser violação, ainda que os montantes das indemnizações devidas possam variar tendo em conta os danos efectivamente causados;
  6. Que a recusa continuada do município em realizar as obras necessárias viola o princípio da proporcionalidade, em todas as suas vertentes;
  7. Que o alojamento (ilegal, e violador do contrato de concessão produzido) de animais adicionais do Município do Leão no canil, assumido pela Ré SPA, é um flagelo: 1 ano para os cães alojados representaria mais de 5 anos para nós humanos, o que tornaria para os animais numa longa e penosa tortura a estadia no canil em tais condições, e que inclusive reduzir-lhes-ia a sua longevidade. A ausência de meios não é uma desculpa: certamente, nestes dois municípios, existiriam alternativas que não condenar os cães a viver quase um décimo da sua vida em agonia;
  8. Que se dá como violado o art. 115º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, pelo município;
  9. Que se dão como violados os artigos 5º, 7º, 8º nº 1 e 3, 9º nº 1, 14º nº 2, 3 e 5, 15º, 41º nº 2, bem como os limites definidos nos anexos I e III g,2), todos do Decreto-Lei nº 315/2003, pelo município e pela SPA;
  10. Que se dá como violado, pelo município, o art. 33º nº1, alínea ii) da Lei das Autarquias Locais (Lei nº 75/2013, de 12 de Dezembro);
  11. Que se dá como violado, e agora salienta-se a gravidade desta violação, o art. 66º da Constituição da República Portuguesa, que consagra o direito fundamental ao ambiente e à qualidade de vida, que no caso dos moradores do Bairro Freud se encontra manifestamente afectado pelas actividades levadas a cabo pelos Réus.

Sendo nós uma Organização Não Governamental de Ambiente, e tendo em conta a nossa ideologia a nível da defesa dos animais, que consideramos, à margem do Direito estrito, como portadores de autênticos direitos, legítimos e ressarcíveis, apelamos ao Colectivo dos Excelentíssimos Senhores Juízes que não deixem que meros expedientes técnicos levem à perpetuação e impunidade da violação de normas legais, bem como de direitos subjectivos de seres humanos.

Os danos que indicamos ocorreram de facto. É triste ver a SPA esconder-se por trás da lei para não ser responsabilizada pela incompetência na realização das suas actividades, e pelos danos causados aos animais que albergam. Caso se entenda que é improcedente um ressarcimento directo dos cães, entendemos que é dever deste Tribunal o de condenar em todo o caso os Réus, no entanto revertendo o montante da indemnização a favor dos moradores, que tanto têm sofrido ao longo destes 12 anos graças à situação deplorável em que se encontra o canil.

É com tal fundamento que me dirijo aos Excelentíssimos Juízos, com os seguintes pedidos:

  1. Que condenem o município à prática de acto devido, neste caso, a realização de obras profundas no canil existente de modo a torná-lo suficiente ou a criação célere de um novo espaço para que possa cumprir as obrigações que lhe são incumbidas pela lei;
  2. Que, ainda que não adiram à nossa forma de encarar o Direito e a correcta protecção devida aos animais, como seres sensíveis, que ainda que não dotados de personalidade, dotados sim de susceptibilidade de sofrimento de danos necessariamente:

  • Condenem o município, por acção culposa, e a SPA, por acção dolosa, respectivamente, a indemnizar os moradores do Bairro Freud por violação do seu direito fundamental constitucionalmente consagrado ao ambiente e à qualidade de vida;
  • Condenem o município, por acção culposa, e a SPA, por acção dolosa, respectivamente, a indemnizar os donos dos animais encontrados pela SPA e alojados no canil, sujeitos às condições deste, quer por danos patrimoniais inerentes ao tratamento de eventuais doenças e enfermidades que lá tenham contraído, quer por danos não patrimoniais inerentes à angústia causada pelo evidente sofrimento dos seus estimados companheiros;
E não se aleguem as dificuldades financeiras para obstar ao pagamento da indemnização, nomeadamente por parte da SPA, associação privada. A falta de meios não é obstáculo nem à ilicitude nem à culpa, e a prática de factos ilícitos e culposos acarreta responsabilidade civil.

Leia-se o art. 165º do Código Civil:

"As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários".

Todos sabemos que a responsabilidade do comitente é objectiva, serve de garante ao pagamento das indemnizações devidas por factos praticados pelos comissários, em virtude da natureza solidária da obrigação de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extra-obrigacional. A acção foi intentada contra a SPA e não contra os seus trabalhadores por uma questão de pragmatismo, gozando esta do direito de regresso em relação aos seus comissários, agentes dos factos ilícitos e culposos (art. 500º. nº3 do Código Civil).

É com muita esperança que termino estas alegações finais, remetendo para os Excelentíssimos Juízes a tarefa de mudar a tendência do corpo judicial nacional que tem sido a de indiferença perante as condições de vida dos animais, e que não pactuem mais com a irresponsabilidade dos nossos autarcas, tão manifesta no caso que temos entre mãos.

Sei que não estamos sozinhos, e que muitos membros da SPA estariam hoje do nosso lado neste tribunal se soubessem da realidade por detrás de relatórios duvidosos e acordos vagos emitidos pela sua Secção Norte, e que muitos residentes do município do Dragão, como nós próprios, nos esperam de braços abertos, e que anseiam pelo nosso sucesso, que é o deles, o da sua saúde e qualidade de vida, e o dos seus animais de estimação.

É esta a nossa causa, a que nos movo todos os dias, a que nos faz lutar contra aqueles que maltratam quem não se pode defender, e que se tentam abrigar nas paredes mal construídas da lei, como eles a entendem.

Não pararemos. Nem hoje, nem nunca. Muito Obrigado.


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