terça-feira, 13 de maio de 2014

Princípio da Legalidade: "A cavalo dado também se olha o dente"

  No que toca ao Princípio da Legalidade, um dos muitos problemas que podem ser suscitados quanto ao assunto é o de saber se este se concretiza da mesma maneira em qualquer forma de actuação por parte da administração pública.

  Em primeiro lugar, para que se possa entender o cerne do problema, importa distinguir dois conceitos essenciais: administração “prestadora” e administração “agressiva”. A primeira modalidade consiste na actividade constitutiva de direitos e vantagens aos particulares, bem como a prestação de vários tipos de serviços e a concessão de apoios e subsídios, entre muitos outros exemplos. A segunda modalidade refere-se à administração num campo em que esta actua contra a vontade dos particulares, prejudicando os seus direitos e interesses sob pretexto de prossecução de um interesse público.
Como é sabido, a legalidade em Direito Administativo pode ser encarada, por um lado, da perspectiva do limite e, por outro, da do fundamento. Em geral quer isto dizer que a administração pública só pode actuar quando uma norma adequada o autorize e que não pode ser contrariada nenhuma norma dentro do bloco jurídico relevante.

  Questiona-se se o referido princípio se deve aplicar da mesma forma independentemente da natureza da actuação em causa. Quanto a este problema, existem essencialmente duas posições que tem sido defendidas pela doutrina. Na doutrina alemã, onde o problema suscita mais discussão, sustenta-se por um lado (Jesch) que a o princípio da legalidade tem de ser encarado como limite e fundamento de todos os actos da administração, sejam eles de natureza prestadora ou “agressiva”. Porém, existem autores (como Wolff) que defendem uma diferenciação: quando se tratar de pôr em causa os direitos dos particulares a legalidade tem de ser encarada na dupla acepção; no entanto, quando a administração visar favorecer os particulares a legalidade pode ser meramente considerada na sua face limitativa, não se exigindo uma norma habilitante.

  É verdade que o princípio da legalidade foi desenvolvido com o intuito de garantir a defesa dos direitos dos particulares perante o poder arbitrário e desmedido da admnistração. Todavia, a questão deve ser analisada de um prisma diferente no que concerne à actividade prestadora. Em grande parte dos casos, esta actividade implica a utilização de bens e de recursos cuja escassez impõe uma gestão criteriosa e ponderada. Se se permitir que a administração distribua os recursos disponíveis sem qualquer limitação nem critério é bem possível que haja uma gestão ineficaz que levará certamente a um mau funcionamento dos mais variados sectores em que a administração intervenha. Além disso, também é muito provável que assim se abra caminho a muita injustiça resultante de uma distribuição desigual de prestações e serviços. Basta relembrar que praticamente todas as prestações em causa dependem da utilização de fundos públicos, para os quais contribuem todos os cidadãos através do pagamento de impostos, pelo que não é aceitável admitir-se a aplicação de tais fundos sem que para tal existam regras bem delineadas. A função principal da administração prestadora é prosseguir interesses públicos, mas não cabe à própria administração definir quais são nem satisfazê-los de forma alheia a qualquer tipo de regras. Este é, de um modo geral, o pensamento sufragado pela generalidade do doutrina portuguesa, nomeadamente dos professores Freitas do Amaral, Vieira de Andrade e Esteves de Oliveira, entre outros.



  No plano do ordenamento jurídico português também parece sensato defender um entendimento íntegro do princípio da legalidade no âmbito da administração prestadora. O artigo 266º, 2 da Constituição impõe a todos os orgãos e agentes da administração o respeito pelas normas jurídicas vigentes. Face à letra do artigo, há que interpretar segundo o princípio geral de que o intérprete não deve distinguir onde a lei não faz; se o artigo não distingue entre a natureza da actuação, penso que deve entender-se que a administração deve estar sempre sujeita ao princípio da legalidade na sua acepção ampla: só pode actuar mediante autorização da lei e dentro dos limites da mesma.



Pedro Tavares Pereira, 140112026

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