terça-feira, 13 de maio de 2014

Jornada pelos trilhos dos Contratos Públicos


Embora as suas raízes remontem ao direito romano, a ideia da associação do particular à realização do interesse publico só se desenvolveu verdadeiramente a partir do século XIX , em França, tendo-se expandido a partir daí a países vizinhos, em especial naqueles em que vigora o sistema de tipo Francês.

No entanto, na Alemanha e Itália a figura do contrato administrativo encontrou uma enorme resistência (hoje já ultrapassada). Para Otto Mayer, por exemplo, a figura do contrato era incompatível com a essência do direito público nomeadamente por três razões:
1.    Sendo o Estado soberano não pode este ficar vinculado a um particular por contrato
2.    A figura do contrato implicava igualdade entre as partes
3.   Por quanto existia uma figura jurídica especifica do direito publico, mas essencialmente diversa do contrato característico do direito privado. Para estes autores, o contrato público consistiria no conjunto de dois atos unilaterais: um ato administrativo unilateral por parte da administração e um ato jurídico unilateral de direito privado.

Por outro lado, os partidários da admissibilidade do contrato no âmbito do direito público afirmavam que:
1.       Nem toda a administração pública é o Estado.
2.     O Estado quando atua no âmbito do direito administrativo, não age como estado soberano mas sim como estado administração.
3.     Atendendo à teoria dos atos administrativos constitutivos de direitos e de interesses legalmente protegidos o Estado pode ficar vinculado perante os particulares por meio de um ato unilateral, assim por maioria de razão este poderá vincular-se perante os particulares por ato unilateral (contrato).

Hoje, no entanto, há que ponderar que no contrato administrativo o Estado não se demite da sua autoridade a administração vincula-se perante os particulares nos termos da lei, fazendo parte desta a manutenção de certos poderes relativamente aos particulares. Assim sendo, conclui-se que o contrato administrativo não é um contrato baseado na igualdade entre as partes (o melhor exemplo disto são as cláusulas contratuais gerais).
Contudo a modificação das cláusulas contratuais só pode ocorrer por comum acordo e não por imposição unilateral de uma das partes. No entanto, existem situações em que a resolução se justifica plenamente. Por exemplo em caso de haver uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, o contraente publico tem o direito de resolver o contrato.

O contrato administrativo é uma das atuações administrativas que tem vindo a adquirir uma importância crescente, em especial a partir do fim da primeira metade do século XX, devido à complexificação e importância da Administração no Estado Social de Direito. Assim, a administração passou a procurar cada vez mais a colaboração de particulares para prosseguir fins de interesse púbico (conforme impõe o n.º 1 do art.º 266.º CRP).
Contudo, a sua utilização generalizada levou certas questões na doutrina. Por um lado a questão de saber se os contratos contratualizados pela administração e pelos particulares são iguais ou se obedecem a especificidade distintas dada a diferença da natureza dos seus intervenientes.
A doutrina tradicional assentava na ideia de que os contratos administrativos teriam sido subtraídos à competência dos tribunais comuns e colocados sobre a alçada dos Tribunais Administrativos devido à sua diferente e especial natureza que os distinguia dos contratos privados.
Assim, tornava-se essencial procurar o critério de distinção que permitisse fazer a distinção entre contratos administrativos e contratos de direito privado da administração. Apesar de terem sido vários os critérios usados pela doutrina para identificar essa distinção, hoje não há nenhum critério que por si só o possa fazer, havendo ainda quem defenda que o problema não se chega a colocar por tal distinção nem sequer existir, já que todos os contratos da administração são contratos administrativos e só em situações excecionais a administração celebra contratos privados, sendo esta a opinião defendida pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa e pela Professora Maria João Estorninho.  


A partir da década de 70, começaram a surgir as primeiras diretivas comunitárias sobre contratação pública, o que se explica pelo desejo de concretização das quatro liberdades europeias (liberdade de circulação de capitais, serviços, mercadorias e trabalhadores). A necessidade de regular o problema da contratação pública deve-se ao facto do montante económico que a maioria dos contratos da Administração envolve não ser acessível à maioria dos particulares, sendo que a grande maioria dos contratos públicos tem um grande impacto na economia não só de cada Estado, como na da União Europeia.
As diretivas da União Europeia vieram, por um lado, regular certos contratos (como o contrato de empreitada de obras publicas, contrato de locação de bens móveis, contrato de aquisição de serviços, contrato de concepção de obras públicas) e por outro estabelecer que em determinadas áreas, todos os contratos deveriam ser contratos administrativo (como por exemplo os contratos celebrados na área da energia, ambiente, transportes, telecomunicações …) como é o caso do Decreto-Lei n.º 223/2001, de 9 de agosto.



O surgimento do Código dos Contratos Públicos
(em especial o desenvolvimento do regime jurídico das empreitadas de obras públicas)

 Antes de chegarmos ao momento em que hoje nos encontramos, com a sistematização dos diversos preceitos legais relativos aos contratos públicos, vários foram os caminhos a percorrer até à elaboração do Código dos Contratos Públicos – CCP, de 2008.
Até ao decreto de 9 de Maio de 1906, as empreitadas e os fornecimentos de obras públicas eram apenas regulados pelas cláusulas e condições gerais publicadas a 28 de abril de 1887 e pelas instruções de 18 de julho do mesmo ano. O referido decreto, de 1906, aprovou as cláusulas e condições gerais de empreitadas e fornecimentos de obras públicas que constituíam a disciplina base das empreitadas de obras públicas.
Entretanto, a portaria n.º 7702 de 24 de outubro de 1933 veio publicar as novas regras para a arrematação e adjudicação de obras públicas bem como das respetivas liquidações, seguidamente, o decreto n.º 4667, de 14 de junho de 1918, veio aprovar o regulamento para a execução e contabilidade dos serviços de obras públicas, em substituição do regulamento aprovado por decreto de 10 de Maio de 1907.
O regime contido nestes diplomas constituía a disciplina fundamental para a adjudicação, celebração dos contratos, execução e contabilidade das empreitadas e fornecimentos de obras públicas, sendo ainda completado por muitos outros regimes que disciplinavam aspetos de natureza particular ou transitória.
Com o Decreto-Lei n.º 235/86, de 18 de Agosto (revogado pelo Decreto-Lei n.º 348-A/86 de 16 de Outubro e este ultimo revogado pelo Decreto-Lei n.º 405/93) iniciou-se o processo tendente a dotar o setor das obras públicas dum enquadramento jurídico face à adesão de Portugal àquela que é hoje a União Europeia, nomeadamente face à necessidade de iniciar a transposição para a ordem jurídica interna de duas diretivas comunitárias: a 71/304/CEE e a 71/307/CEE, ambas de 26 de Julho.

O código dos contratos públicos entrou em vigor a 30 de Julho de 2008, por imposição do Decreto-Lei n.º18/2008, de 29 de Janeiro. O CCP encontra-se dividido em duas grandes partes, já que este é o diploma responsável por regulamentar a formação e a execução de contratos públicos, de acordo com os critérios fixados no n.º 6 do artigo 1º CCP.
Denomina-se fase de formação do contrato o período que decorre desde a tomada da decisão de contratar até ao momento em que o contrato é celebrado, sendo que a partir desse momento surge a designada fase da execução do contrato.

O Código veio efetuar, em primeira linha, a transposição das Diretivas n.º 2004/17/CE e 2004/18/CE, relativas à celebração de contratos públicos de empreitadas de obras públicas, de locação ou aquisição de bens móveis e serviços, bem como codificar regras dispersas pelos diversos diplomas que, com a sua codificação, foram revogados. De entre os diversos diplomas revogados salientam:
·              O Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (que veio suceder ao Decreto-Lei n.º 405/93, de 10 de Dezembro, acima enunciado) - relativo às empreitadas de obras públicas
·             O Decreto – Lei n.º 196/99, de 8 de Junho relativo à coordenação da aquisição e utilização de tecnologias de informação na Administração Pública.-
·           O Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho (com exceção dos artigos 16º a 22º e 29º) matéria relativa à realização de despesas na Administração Publica.
·          O capítulo III da parte IV do CPA


a sistematização das normas relativas aos contratos públicos no CCP tinha como principais objetivos:
·                    Redução da dispersão legislativa
·                    Uniformização e redução dos procedimentos de contratação pública
·         Flexibilização através da consagração de novos procedimentos ou de novas técnicas de contratação


Princípios da contratação pública
À contratação pública, enquanto procedimento administrativo, é aplicável a generalidade dos princípios da actividade administrativa, entre outros, como o princípio da legalidade, proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé.
Destacam-se, no entanto, três princípios que são especialmente aplicáveis à matéria da contratação pública, aos quais se deve recorrer aquando da interpretação das normas do CCP, são eles: o princípio da transparência, princípio da igualdade e princípio da concorrência (n.º4, artigo 1º CCP).



O atual Código dos Contratos Públicos, desenha uma linha de continuidade relativamente aos principais regimes jurídicos, em especial, os Decretos--Leis nºs 59/99, de 2 de Março, Decreto197/99, de 8 de Junho, e 223/2001, de 9 de Agosto, que constituíram a matriz da contratação pública Portuguesa nos últimos anos, de forma a garantir a segurança e a estabilidade jurídica aos operadores económicos
O CCP é assim um documento que interliga os princípios de direito interno com uma perspetiva de direito mais alargada ao nível do direito europeu, tendo sido, aliás, por imposição do Direito da União Europeia que a matéria relativa aos contratos públicos ganhou uma maior consistência e uniformidade, tendo sido atenuados alguns problemas de divergência das várias disposições legais aplicáveis a este regime.


Rita Nobre
(n.º 140112032)

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