domingo, 11 de maio de 2014

Revogação do Acto Administrativo


Como sabemos a revogação é o acto administrativo que se destina a extinguir os efeitos de outro acto administrativo anterior. Com a prática da revogação, ou acto revogatório, extinguem-se os efeitos jurídicos do acto revogado. Os seus efeitos jurídicos recaem sobre um acto anteriormente praticado, não se concebendo a sua prática desligada desse acto preexistente.

 Importa contudo referir uma querela existente. Em Lisboa a revogação é considerada em sentido amplo, quer a revogação tenha eficácia para o futuro, quer a revogação tenha como fundamento a ilegalidade e portanto eficácia retroactiva. Em Coimbra, por outro lado atende-se a uma anulação à revogação anulatória, a revogação propriamente dita corresponde a uma revogação ab-rogatória.
 O que está em causa é um acto administrativo. Tanto o principio da boa administração como o da legalidade apontam no sentido de que a revogação seja admitida com a maior amplitude possível. O particular deve ser protegido perante mudanças erróneas por parte da administração. O Modelo germânico limita-se a enumerar principios cujo respeito deve ser analisado caso a caso. No modelo Francês (que é também o Português) o legislador faz uma ponderação e estabelece as regras destinadas à ponderação da tutela da confiança. O problema é que estas regras podem ser excessivas e por isso inadequadas.
 Quanto à competência do órgão o Professor Diogo Freitas do Amaral acredita que quem praticou o acto é que está apto a revogá-lo (argumento material). Robin de Andrade por sua vez admite que quem tem competência por lei é quem tem competência para a revogação.
O Professor Vasco Pereira da Silva defende que os dois tem razão - o que está em causa é   o que está em causa é a revogação de um acto por um orago incompetente, estamos perante uma revogação por motivo de ilegalidade. Se assim é, devem ser as mais amplas possíveis as hipóteses de revogação desse acto.
 O conteúdo da revogação é a extinção dos efeitos jurídicos produzidos pelo acto revogado ou, se se preferir, é a decisão de extinguir esses efeitos. O objecto da revogação  por sua vez é sempre o acto revogado, justamente porque a revogação é um acto secundário, um dos mais importantes actos sobre os actos. É fundamental sublinhar mais uma vez que à revogação é, ela mesma, um acto administrativo: como tal, são-lhe aplicáveis todas as regras e princípios característicos do regime jurídico dos actos administrativos.
As espécies de revogação podem apurar-se à luz de diversos critérios, dos quais  se destacam quatro:
  1.Quanto à iniciativa: a revogação pode ser espontânea (também denominada de oficiosa), é praticada pelo órgão competente independentemente de qualquer solicitação nesse sentido; ou provocada (art. 138º CPA), é motivada por um requerimento do interessado, dirigido a um órgão com competência revogatória.
   2.Quanto ao autor: Esta pode ser feita pelo próprio autor do acto revogado ou por órgão administrativo diferente: no primeiro caso estamos perante a retractação, no segundo o acto revogatório é praticado pelo superior hierárquico do autor (em relação a actos do subalterno), ou pelo delegante/subdelegante ou, ainda, nos casos previstos por lei, pelos órgãos tutelares (art. 142o CPA).
  3.Relativamente ao fundamento: a revogação pode-se basear-se na ilegalidade. Com ela visa reintegrar-se a ordem jurídica violada, suprimindo-se a infracção cometida com a pratica de um acto ilegal; ou na inconveniência do acto que é seu objecto, a prática do acto revogatório encontra a sua razão por ser um juízo de mérito, isto é, numa nova valoração do interesse público feita pelo órgão competente, independentemente de qualquer juízo de legalidade sobre o acto objecto da revogação.
  4.O conteúdo da revogação, que consiste na extinção dos efeitos do acto revogado, pode revestir uma de duas modalidades: a mera cessação, “ad futurum”, dos efeitos jurídicos do acto revogado – é a denominada revogação ab-rogatória –, ou a destruição total dos efeitos jurídicos do acto revogado, mesmo dos que tenham sido produzidos no passado – é a chamada revogação anulatória (art. 145º CPA). Diz-se que a eficácia da revogação ab-rogatória é “ex nunc” (desde agora), e a revogação anulatória, tem eficácia “ex tunc” (desde então).
  Dada a particular "dureza" da revogação anulatória, que não dispõe apenas para o futuro, mas interfere com o passado, e num sentido diferente daquele com que aos particulares era lícito contar, abalando assim a confiança do público na Administração, não é discricionária a escolha entre a prática de uma revogação ab-rogatória ou de uma revogação anulatória.
   Regime da Revogabilidade dos Actos Administrativos
 A revogação ab-rogatória ajusta-se aos casos em que o órgão administrativo competente mude de critério e resolva extinguir um acto anterior por o considerar inconveniente (art. 145o CPA); a revogação anulatória é, por regra, reservada pela lei para os casos em que o acto a revogar seja inválido.
Falando do regime da revogabilidade dos actos administrativos, a primeira grande regra é a de que os órgãos administrativos dispõem da faculdade de, respeitados certos limites, extinguir os efeitos jurídicos dos actos que anteriormente praticaram, desde que os reputem inválidos ou inconvenientes – a revogabilidade é uma característica própria do acto administrativo; em contraste com a irrevogabilidade da sentença transitada em julgado. O regime legal da revogação encontra-se nos artigos 139o, 140o e 141o do CPA:
1. Actos insusceptíveis de revogação (art. 139o)
Há casos em que a revogação não pode ter lugar nem lógica nem juridicamente porque não há efeitos a extinguir. É o caso dos actos inexistentes ou nulos, dos actos cujos efeitos já tenham sido destruídos e o caso dos actos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem esgotados (estes últimos não podem ser objecto de revogação ab-rogatória mas podem, ainda, destruir-se os seus efeitos produzidos, se tiverem sido ilegais, através da revogação anulatória).
2. Regime da revogabilidade dos actos válidos (art. 140o)
A regra geral que se extrai deste artigo é de que os actos administrativos válidos são livremente revogáveis. Esta regra decore da subordinação da Administração ao princípio constitucional da prossecução do interesse público.Existem, por outro lado, situações em que o órgão administrativo, não deparando com uma impossibilidade absoluta de revogação (art. 139o), não pode, todavia, sob pena de ilegalidade, revogar actos que haja anteriormente praticado. São fundamentalmente duas essas situações: 
-não se devem revogar actos válidos que tenham sido praticados no exercício de poderes vinculados e em estrita obediência a uma imposição legal; 
-nem os actos administrativos válidos de que resultem para o autor obrigações legais ou direitos irrenunciáveis.

 O legislador considera finalmente que são de revogação condicionada os actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos – o princípio da confiança postula que os cidadãos têm o direito de poder confiar em que as decisões públicas incidentes sobre os seus direitos ou posições jurídicas, alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas, se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas normas. Estes só podem ser revogados: na parte em que sejam desfavoráveis aos interessados ou no caso de todos os interessados darem a sua concordância à revogação do acto, desde que não se trate de interesses/direitos indisponíveis.
 O Professor Diogo Freitas do Amaral fala, ainda, de um outro grupo de situações em que pode ter lugar, a título excepcional, a revogação deste tipo de actos: por alteração da situação de facto, ou por mudança fundamentada das concepções da Administração, o interesse público torne conveniente, ou até imperiosa, a revogação de um acto favorável aos particulares, havendo uma indemnização para os particulares. Como enfatiza Pedro Gonçalves, não faz sentido que a Administração não o possa fazer, quando tem direitos como o de expropriação, ou pode rescindir de contratos unilateralmente.
3. Regime da revogabilidade dos actos inválidos (art. 141o)
 Os traços principais deste artigo são: o fundamento exclusivo da revogação é a invalidade do acto anterior; a revogação de actos inválidos pode ser efectuada pelo autor do acto, pelo seu superior hierárquico, pelo órgão delegante/subdelegante ou, nos casos legalmente previstos, pelo órgão tutelar; a revogação dos actos inválidos deve ser feita dentro do prazo fixado na lei para o recurso contencioso que no caso couber e uma vez interposto o recurso contencioso, até à resposta da autoridade administrativa recorrida.
 Importa agora definir quem tem competência revogatória, e qual o fundamento dessa competência: O autor do acto (Art. 142o/1 CPA): O fundamento desta competência revogatória "reside na competência dispositiva do autor do acto sobre a matéria a decidir, encontrando-se este, por conseguinte, legalmente habilitado a resolver, conforme entenda melhor, acerca do assunto". Caso essa competência dispositiva seja transferida por lei para outro órgão, passa este a dispor do poder de revogar os actos praticados pelo órgão originariamente competente.
E quando o acto foi praticado por órgão incompetente? Há quem entenda que tanto o autor do acto como o órgão competente para decidir sobre aquela matéria têm competência revogatória: o primeiro porque a lei, ao abrigo do princípio do autocontrolo de legalidade, dá ao autor do acto competência revogatória e não exclui os casos de incompetência, o segundo por possuir competência dispositiva sobre a matéria. A favor no CPA temos o art. 137o. O Professor Diogo Freitas do Amaral discorda, no entanto, desta concepção. Apenas o autor efectivo do acto tem competência para revogá-lo, aceitar a competência revogatória do titular da competência dispositiva sobre os actos praticados por órgãos incompetentes seria admitir um poder de superintendência. A favor deste argumento no CPA temos o art. 142o/1.
 Relativamente ao superior hierárquico podemos dizer que o superior hierárquico do autor do acto é competente para revogar, salvo se se tratar de acto da competência exclusiva do subalterno (142o/1 CPA). Daqui deriva que a competência revogatória do superior só existe os casos de competência comum e de competência própria.
O art. 174o do CPA permite, no entanto, que o superior hierárquico, sendo solicitado para tal pela interposição por um particular do recurso administrativo, revogue actos da competência exclusiva do subalterno. O legislador, com isto, quis reservar o poder de revogação do superior hierárquico relativamente a actos praticados pelo subalterno no uso de competência exclusiva apenas para os casos em que sejam os particulares a tomar a iniciativa da revogação. Nestes termos, a revogação do art. 142o/1 fica reservada à revogação espontânea. É também competente para revogar o delegante/subdelegante, em relação a actos praticados pelo delegado/subdelegado, no âmbito dos poderes cujo exercício lhes foi transferido (art. 142o/1 CPA).
 Cumpre, por fim, falar da forma e das formalidades da revogação. Em sede de revogação não vigora o princípio da liberdade de forma, este princípio cede ao da identidade ou do paralelismo das formas, quer isto dizer, "tanto as formalidades como a forma do acto revogatório se hão-de apurar por referência às formalidades e à forma, legalmente prescritas, do acto revogatório". Há duas excepções a esta regra, nas quais o acto de revogação deve revestir a forma que tiver sido efectivamente utilizada e não a devida (art. 143o/2 CPA): quando a lei não estabelecer forma especial alguma para o acto revogado, ou quando o acto revogado tiver revestido forma mais solene do que a legalmente prevista.

Mariana Melo Pinto 
140112011

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