sexta-feira, 16 de maio de 2014

Simulação de Tribunal: Acordão

O texto disponibilizado corresponde ao acordão redigido e hoje lido em aula, finalizando a simulação de Tribunal:






Proc. N° 000/14.0TCADG

Acórdão " Amigos do Bobby, ONGA " contra Município do Dragão e Sociedade Protectora dos
Animais

Juízes:
Barbara Garcia
Beatriz Cruz
Beatriz Pimenta
Miguel Mota
Pedro Pereira

Matéria de facto:

I. A sociedade protectora de animais instalou um canil nas antigas instalações da Fábrica Bzz
Já Foste Insecticidas, em Maio de 2002. O referido terreno tem 2050 metros quadrados, ao
passo que o logradouro do mesmo tem cerca de 1050 metros quadrados. Ficou ainda
estabelecido que a área útil (que se refere à área ocupada pelas gaiolas dos cães) do canil
tem cerca de 205 metros quadrados.
II. Estas instalações foram cedidas temporariamente pelo Município do Dragão, nos termos do
protocolo celebrado entre a Ré e o Município do Dragão.
III. O município alega que não foi concedida autorização para a realização de obras de
manutenção, desde a instalação do canil, por esta cedência ter sido a título temporário. O contrato de concessão vigora até hoje desde então.
IV. O contrato de concessão foi celebrado dentro de um limite máximo de 100 cães.
V. Neste momento estão albergados 300 cães.
VI. Foi provado que as condições de saúde, higiene e espaço dos animais são, indubitavelmente,
inferiores às idealmente satisfatórias.
VII.Foi também provado, que os animais em causa são alimentados duas vezes por dia.
VIII. É inderrogavelmente evidente que havia cães a circular na área urbana circundante do canil.
IX. Foi discutido se os cães albergados no canil estavam ou não sujeitos a maus tratos. A SPA/
Secção Norte alega que os cães, ainda que em condições minimalistas, se encontravam
suficientemente cuidados.
X. No sentido inverso, a pessoa colectiva "Os Amigos do Bobby" afirma que as acima referidas
condições não oferecem nem sequer o mínimo exigível para o bem-estar dos cães. Mais, os
referidos cães, segundo a Autora, são vítimas de maus-tratos, dada a má alimentação e
insuficientes exposição solar e espaço para locomoção.
XI. Atendendo às provas apresentadas em Tribunal, e após cuidadosa análise, conclui-se então
que as alegações feitas pela pessoa colectiva "Os Amigos do Bobby" se verificam.
XII.Com efeito, as provas fotográficas e o relatório da inspecção, evidenciam que as condições
verificadas no referido canil são de facto medíocres. Citando dita inspecção, " (...) [existiam]
excrementos no pavimento e nas boxes, produtos alimentares fora do prazo, e vestígios de
sangue nas paredes, ratídeos em decomposição, animais mortos no logradouro (...) mosquitos
em abundância, e ventilação manifestamente insuficiente (...)".
XIII. No tocante à saúde pública, é manifesto que o canil apresenta certas e determinadas
características que são típicas e inevitáveis relativamente a um canil, nomeadamente o ruído e
o relativo mau cheiro.
XIV. Contudo, como as diversas queixas de moradores vieram a expor, o canil apresentava
também certos aspectos que ultrapassam as referidas características típicas de um canil,
nomeadamente a sujidade e a falta de asseio excessivos.
XV.As testemunhas que foram chamadas a depor vieram confirmar estes factos.
XVI. Aliás, o Ministério Público, no seu parecer, refere que " (...) o mau estado de conservação,
bem como a ausência de higienização (...) põem em causa não só a saúde pública dos
moradores, máxime, o direito do ambiente, como também a segurança urbanística, quer dos
funcionários da SPA, como dos moradores das residências envolventes (...)".
XVII. Foi também suscitado no âmbito do processo que os trabalhadores do canil não tinham a competência técnica necessária para o exercício competente do cargo em questão.
XVIII. Ainda este facto esteja verificado, a SPA/Secção Norte é uma pessoa colectiva sem fins lucrativos, cujos trabalhadores não são remunerados. Com efeito, é um trabalho que é feito pro bono, pelo que não é estritamente necessária uma competência técnica para o exercício desta função.

Do Direito:

Relativamente às questões suscitadas pela Pessoa Colectiva “Amigos do Bobby”:
  1. Foi requirido ao Tribunal que emitisse uma providência cautelar, ao abrigo do Artigo 112º, número 2, alínea f), com o fim de autorizar a SPA a fazer obras urgentes de recuperação no canil, de modo a criar condições mais favoráveis para os cães que lá habitam.
    XX. O Tribunal decidiu deferir a referida providência cautelar. Como já foi provado, as condições do canil não são as mais ideais para os cães que nele habitam, pelo que obras são urgentes, independentemente do veredicto do Tribunal. Considera-se então, que à luz do preceito acima citado, o Tribunal considera que a providência cautelar se revele adequada e portanto, a adoptar nos termos da alínea f) do mesmo preceito
    XXI. O Município manifesta-se contra o deferimento de dita providência cautelar, com o fundamento de que a cedência das instalações foi a título temporário, e a SPA concordou que nenhuma obra seria necessária.
    XXII. Urge agora ponderar a verdadeira natureza da cedência.
    XXIII. O Artigo 30º da Lei dos Bens do Domínio Público (Decreto-Lei 280/2007) refere que é possível transferir para particulares poderes de gestão e de exploração de bens do domínio público, através de acto ou contrato administrativo, durante um período determinado de tempo.
    XXIII. Ora, na autorização que foi emitida, não existe nenhum prazo definido. Achamos então que a questão se centra então nos requisitos formais da autorização, que estão em falta, por não indicarem prazo.
    XXIV. Conclui-se então que a cedência teria sempre de ser temporária, ou pelo menos com um prazo definido. Assim, deveria ter sido estipulado um prazo, nos termos do Decreto-Lei supra referido. Ou seja, a cedência seria sempre a título temporário, mas é necessário haver um prazo definido para a autorização em causa.
    XXV. Independentemente desta questão, o facto é que a concessão mantém-se há doze anos. Assim, os acontecimentos de facto, a manutenção da concessão durante este período de tempo prolongado justifica por si só a feitura de obras, ainda que se alegasse o carácter temporário da concessão, a manutenção de facto durante doze anos justifica por si só a feitura de obras.
    XXVI. “Os Amigos do Bobby” referem também que há uma invalidade procedimental, por falta dos procedimentos formais indicados no Artigo 3º, número 1 do Decreto-Lei 315/2003 de 17 de Dezembro. Ou seja, referem que não houve parecer da parte da Direcção Regional do Ambiente.
    XXVII. Com efeito, verifica-se esta invalidade procedimental, tendo em conta que não foi apresentado qualquer parecer ao Tribunal. Assim, procede o argumento apresentado: a concessão encontra-se ferida de invalidade procedimental, nos termos do preceito legal citado acima.
    XXVIII. A seguir, a dita pessoa colectiva refere também que não foi respeitado o dever de fundamentação, previsto no Artigo 124º, número 1, alínea c) do CPA. Nos termos deste preceito, é sempre necessário fundamentar adequadamente qualquer decisão que decida em contrário de pretensão formulada por um interessado. Isto não aconteceu neste caso.
    XXIV. Aliás, para além de não haver fundamentação, há também uma violação do Artigo 125º, como “Os Amigos do Bobby” também mencionam. Isto porque a fundamentação, nos termos do artigo citado, deve ser exposta com fundamentos de facto e de Direito adequados para a decisão. Tal não aconteceu de todo, pois não houve fundamentação de qualquer tipo.
    XXV. Assim, as alegações feitas procedem.
    XXVI. Segue-se a violação ao direito ao ambiente, por violação do Artigo 66º da Constituição da República Portuguesa.
    XXVII. O Tribunal considera que, embora haja uma possível infracção desta norma, a mesma é uma norma programática, pelo que precisa sempre de densificação normativa para ser concretizada. Assim, esta não poderá ser directamente infrigida, pois como foi referida, é apenas uma norma programática, não exequível, não podendo assim ser infringida directamente.
    XXVIII. Para invocar este preceito, seria mais adequado invocar referida densificação normativa, traduzida em diversos diplomas legislativos.
    XXIX. Segue-se a invocação dos Artigos 5º, 8º, 9º do Decreto-Lei 315/2003.
    XXX. O Tribunal pondera que o Artigo 5º não é violado. Isto porque foram apresentados os registos de forma adequada e atempada, pelo que não é válida a alegação feita.
    XXXI. Por sua vez, o Artigo 8º já será procedente. Foi provado que as condições existentes no canil não são de todo adequadas, violando até o âmbito de aplicação deste artigo.
    XXXII. Por fim, o Artigo 9º também será procedente, pois as conclusões tiradas permitem-nos verificar que as condições ambientais são danosas, no geral, nos termos deste Artigo 9º.
    XXXIII. Depois, é invocado o Artigo 33º do Decreto-Lei, que confere á Autarquia a competência de cuidar dos cães vadios na via pública.
    XXXIV. Com efeito, é da competência da Autarquia cuidar destes animais. Pese embora a permanência dos animais no canil, que é discutivelmente mais confortável do que a permanência na rua, a verdade é que o Município procedeu de forma negligente e, como tal, insuficiente no que toca à sua competência.
    XXXV. Depois, cabe decidir se uma indemnização é devida por danos aos animais.
    XXXVI. Embora os animais não sejam coisas stricto sensu, tendo uma sensibilidade e percepção que é manifestamente superior a uma qualquer outra coisa, no fim de contas não têm personalidade jurídica, não sendo então actores no plano jurídico.
    XXXVII. Dito isto, a indemnização a ser conferida em favor do canil não será procedente. Isto porque não podemos confiar na construção de um futuro canil, cuja construção é incerta.
    XXXVIII. Por outro lado, é lícito atribuir a indemnização aos donos dos cães, porque no fim de contas, como foi referido, sendo os cães coisas do ponto de vista jurídico, e havendo dano sobre os mesmos, é lícito haver uma indemnização por danos patrimoniais a coisas na esfera jurídica dos donos.
    XXXIX. Por fim, achamos que a indemnização por danos não-patrimoniais não procede, pois não achamos que a gravidade do transtorno dos donos não é suficiente para justificar uma indemnização por danos não-patrimoniais.

Relativamente às questões suscitadas pela Sociedade Protectora dos Animais :

  1. A SPA alega ter cumprido integralmente a legislação aplicável à instalação e funcionamento do canil, fundamentando-se no texto do Decreto-Lei 276/2001 de 17 de Outubro.
  2. Contudo, o Tribunal verificou que o dito Decreto-Lei se encontra revogado, pelo que já não é aplicável.
  3. De seguida, foi invocada a existência da Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, aprovada pelo Decreto 13/93 de 13 Abril.
  4. Achamos que, de forma semelhante ao argumento referido no parágrafo XVII, estas normas são normas programáticas, que carecem de densificação normativa. É necessário, também neste caso, que seja invocada uma norma mais concreta.
  5. Segue-se a alegação de que não há indemnização nos termos supra referidos, no parágrafo XXXV.
  6. Esta questão já foi discutida acima, nos termos dos parágrafos XXXVI a XXXVIII, pelo que não iremos retomar esta questão.
  7. Também foi suscitada a questão de que “Os Amigos do Bobby” não têm legitimidade para arguir juridicamente os direitos dos donos, isto porque não são os próprios a arguir os seus próprios direitos.
  8. Contudo, nos termos do Art. 53º, número 3 do CPA, as associações dedicadas à defesa de certos e determinados interesses difusos têm legitimidade para defender estes interesses em caso.
  9. Assim, achamos que esta associação tem de facto legimidade para defender os direitos em causa, porque defende interesses reflexos da população cujos interesses estão a ser postos em causa.
  10. De seguida, foi também alegado que há uma violação do princípio da desburocratização, nos termos do Artigo 10º do CPA.
  11. Com efeito, achamos que, novamente, há argumentos análogos aos argumentos propostos no parágrafo XVII no tocante às normas programáticas.
  12. Reiteramos novamente que uma violação deste género de princípio, ou norma, não é alcancável nestes termos; é necessário que uma norma mais densificada seja violada.
  13. Assim, o princípio da desburocratização não é violável por si só, tem apenas pretensões de se estender sistematicamente pelo resto da ordem jurídica administrativa, não sendo passível de ser quebrado directamente.
  14. Depois, foi alegado que a manutenção do canil é referente à prossecução do interesse público, na medida em que é do interesse público manter os animais fora da via pública.
  15. Argumentámos já acerca deste assunto, no parágrafo XXXIV.
  16. Salientamos assim, em síntese, que embora o interesse público seja de facto prosseguido, não o é feito da forma mais adequada.

    Sobre as alegações do Município:
  17. A primeira alegação feita pelo Município refere-se ao contrato de concessão permitir, no máximo, 100 cães, o que já foi provado. Além disso, o Art. 8º do Decreto-Lei 315/2003 prevê certas e determinadas condições para o alojamento dos cães.
  18. O Tribunal considera que o argumento é procedente. Para além do contrato ser violado, também a lei está a ser quebrada neste caso. Com efeito, há demasiados cães para o espaço em questão.
  19. Depois, o Município alega uma inconstitucionalidade do Art. 66º, nos termos referidos supra.
  20. Esta questão já foi discutida, nos parágrafos XXVI e seguintes, não havendo motivo para abordar a questão novamente.
  21. Idem, no que toca à questão da providência cautelar, abordada nos parágrafos XIX e seguintes.
  22. A alegação seguinte é referente à inspecção feita às instalações, de acordo com o disposto no Artigo 9º, número 1 do Decreto-lei 315/2003, referindo que esta aconteceu.
  23. Com efeito, foi provado que houve, de facto uma inspecção anterior à sessão de julgamento.
  24. De seguida, o Município alegou que cumpriu o dever de fundamentação previsto nos Artigos 124º e 125º.
  25. Esta questão também já foi referida anteriormente, no parágrafo XXVIII e seguintes, pelo que não iremos retomar esta questão.
  26. Depois, o Município refere que não tem culpa no incumprimento dos Artigos 5º, 8º e 9º do Decreto-Lei 315/2003.
  27. A questão também já foi discutida, nos parágrafos XXIX e seguintes, não iremos retomar esta questão.
  28. A alegação seguinte refere-se ao cumprimento do Artigo 33º, número 1, alínea ii) da Lei das Autarquias Locais.
  29. A questão também já foi discutida, no âmbito dos parágrafos XXXIII e seguintes, pelo que não será necessário abordar esta questão novamente.
  30. A questão seguinte refere-se à proporcionalidade de manter os cães no canil ao invés de os manter na rua.
  31. Como já foi referido acima, achamos que é da competência do Município cuidar dos cães na via pública. No entanto, é uma necessidade suprema que o Município o faça de forma cuidada e eficiente, coisa que efectivamente não se verificou.
  32. A questão seguinte refere-se à responsabilidade dos danos que foram verificados nos cães.
  33. A questão também já foi abordada acima, nos parágrafos XXXV e seguintes, pelo que não será necessário abordar dita questão.
  34. Atentando a tudo o que foi dito em Tribunal, e às provas apresentadas em julgamento, os juízes acordam:


Conclusões:

Quanto aos pedidos dos “Amigos do Bobby”:

  1. O Tribunal decide, por unanimidade, condenar o Município a realizar obras de remodelação e renovação de modo a que os requisitos mínimos sejam cumpridos.
  2. O Tribunal decide, por unanimidade, indefirir o pedido de indemnização a reverter a favor do canil.
  3. O Tribunal decide, por unanimidade, indefirir o pedido de indemnização relativos aos danos sofridos pelos cães a reverter a favor do canil.
  4. O Tribunal decide, por unanimidade, conceder aos donos dos cães levados pelo canil uma indemnização aos danos causados aos mesmos.
  5. O Tribunal decide, por unanimidade, não conceder indemnizações por danos não-patrimoniais devido aos danos causados aos cães.

Quanto aos pedidos da Sociedade Protectora dos Animais:

  1. O Tribunal isenta-se de se pronunciar acerca deste pedido, por não ser competente no âmbito do Direito Penal
  2. O Tribunal decide, por unanimidade, não absolver totalmente a ré.
  3. O Tribunal declara improcedente este pedido, pois o Decreto-Lei referido já foi revogado, e já não vigora.

Quanto aos pedidos do Município:


  1. O Tribunal declara, por unanimidade, o pedido improcedente.
  2. O Tribunal declara, por unanimidade, o pedido improcedente.
  3. O Tribunal declara, por unanimidade, o pedido improcedente.

Sem comentários:

Enviar um comentário