quinta-feira, 15 de maio de 2014

O Direito Comunitário e Contratos Públicos

Existe, tal como nos foi leccionado, uma aproximação inegável entre estes dois conceitos,  uma vez que não é possível atender ao regime dos Contratos Públicos, sem mencionar o Direito Comunitário.
Uma das grandes impulsionadoras desta tese, é a Professora Maria João Estorninho.
Ao ler algumas partes do seu livro, consegui entender que para perceber as razões pelas quais se adoptou a noção de contrato público que hoje estudamos, noção essa que se foi progressivamente tornando mais exigente e abrangente, é necessário atender à sua evolução histórica, na medida em que a noção  tradicional não defendia esta mesma noção.


A Professora, no seu livro reconduz esta evoluçao e processo  a quatro passos fundamentais:

1. O primeiro  grande passo foi dado pelas Directivas Clássicas, que se baseavam sobretudo regras procedimentais. Esta mudança, trouxe  desde logo, uma série de implicações conceptuais, vindo bulir com a figura do contrato administrativo, isto na medida em que, essas novas exigências relativas ao procedimento eram aplicáveis quer aos contratos administrativos, quer aos contratos de direito privado da Administração. Por outro lado, aplica-se também tanto às entidades administrativas "tradicionais", como às entidades públicas sob forma privada. Estes diplomas marcaram o início de um  novo processo de convergência e uniformização das regras jurídicas aplicáveis aos diversos contratos da Administração, independentemente da sua natureza pública ou privada (na perspectiva tradicional), começando-se a diluir as fronteiras da figura do contrato administrativo (enquanto contrato da Administração Pública sujeito a regras de direito público), relativamente aos contratos de direito privado da Administração e aos contratos entre particulares.

2. O segundo momento, deu-se com a Directiva de sectores excluídos que, apesar de não conter regras tão rigorosas como as das Directivas clássicas, alargaram essas mesmas regras, aos sectores inicialmente excluídos, abrangendo no seu âmbito de aplicação subjectivo também os particulares, que operam nesses sectores. Libertou-se assim, definitivamente, a noção de contratos públicos da natureza jurídico-pública (directa ou indirecta) da entidade contratante.

3. Num terceiro momento, a jurisprudência comunitária vai alargar mais  o universo dos contratos públicos, começando a aplicar a contratos da Administração não especificamente abrangidos pelas Directivas, os princípios nelas contidos (princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, princípio da igualdade, princípio da transparência, princípio do reconhecimento mútuo e princípio da proporcionalidade).

4. O Ultimo momento, com maior relevância, desta evolução, ocorreu com as Directivas 89/665/CE, do Conselho, de 21/12/1989 (sobre coordenação das disposições legais, regulamentares e administrativas referentes à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos públicos de fornecimentos e de obras) e 92/13/CE, de 25/2/1992 (sobre coordenação das disposições legais, regulamentares e administrativas referentes à aplicação das normas comunitárias nos procedimentos de celebração de contratos das entidades que operem nos sectores da água, energia, transportes e telecomunicações). Estas duas Directivas trouxeram, numa óptica dos meios processuais, uma uniformização dos regimes aplicáveis a contratos quer celebrados por entidades públicas, quer por privadas e, por outro lado, quer a contratos tradicionalmente qualificados como administrativos quer de direito privado da Administração Pública.

Para a Professora Maria João Estorninho, a observação desta evolução torna “absolutamente óbvia a necessidade de reconstrução teórica nesta matéria”. Estando perante uma indiscutível tendência de uniformização de regimes jurídicos, quer em termos procedimentais quer em termos de contencioso, torna-se impossível continuar a defender uma compartimentação estanque entre o procedimento pré-contratual (sujeito a um regime uniforme de natureza jurídico-pública) e o regime substantivo do contrato (onde continuaria a ser possível sujeitar determinados contratos a regimes de direito privado). 

Esta evolução contudo, marcou o fim da dicotomia, em ordenamentos jurídicos de inspiração francesa (como é o caso do Português), entre contratos administrativos (sujeitos a regimes substantivos de direito público) e contratos de direito privado da Administração Pública (sujeitos a regimes de direito civil e à jurisdição comum).

O Professor Vasco Pereira da Silva, relativamente à reforma do contencioso administrativo e do alargamento do âmbito da jurisdição administrativa, considera importante também destacar o surgimento da noção comunitária de contrato público e de um verdadeiro Direito Europeu da Contratação Pública, cujas normas se aplicam independentemente das qualificações internas dadas aos contratos.


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