Com a entrada em cena do Estado
social, começa a ser posto em causa o prisma pelo qual se avaliava o acto administrativo.
A Administração, outrora agressiva e autoritária, passa a prestadora. Cresce
exponencialmente o número de direitos e garantias atribuídos aos particulares,
e consequentemente dilatam-se as funções que cabem à Administração, bem como as
suas formas de actuação. O acto administrativo - previsto no artigo 120º do CPA
- perde protagonismo para os contratos, regulamentos, etc. e deixa de ocupar a
posição central do Direito Administrativo - da "farda única" passou-se
para o "pronto-a-vestir".
Tendo em conta este panorama, deixa
de fazer sentido a definição de acto administrativo apresentada por Mayer (que
o equiparava a uma sentença) e Hauriou (que defendia que este tinha de ser
susceptível de ser coactivamente executado).
Posto isto, considero pertinente
expor as várias posições a ter em conta, no plano Administrativo português,
acerca da concepção de acto administrativo.
Marcello Caetano: Sustenta a posição clássica da
escola de Lisboa e parte de uma noção muito ampla de actos jurídicos da
administração, nela incluindo os regulamentos, actos jurisdicionais e os actos
administrativos. Esta amplitude traduzia a “promiscuidade” existente na época,
em que era frágil a divisa entre Administração e Tribunais. Depois, distingue
do acto administrativo em sentido amplo um conceito mais estreito: “distinção
que à luz do Direito positivo e da teoria jurídica se reveste do maior
significado: é a que tem de fazer-se entre actos administrativos definitivos e
executórios e os que não reúnam esses requisitos.” Sendo definitivo, define os
direitos dos súbditos, e é susceptível de ser coactivamente executado por ser
executório.
Para o autor, o acto administrativo é definido “como a
conduta voluntaria de um órgão da Administração no exercício de um poder
público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um
processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força
obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto.”
Diogo Freitas do Amaral: Também apresenta uma noção
ampla de acto administrativo, como “acto juridico unilateral, praticado por um órgão
da Administração, no exercício de um poder Administrativo, que visa a produçao
de efeitos juridicos sobre uma situaçao individual num caso concreto”. De seguida, defende que o “acto administrativo completo” tem de
ser definitivo e executório. Definitivo porque o autor defende que o uso do
termo “decisões” no artigo 120º do CPA implica a correspondência entre o acto e
uma sentença, e executório porque é através desta concepção de acto
administrativo, agora mais restrita, que se dá o exercício do poder autoritário
da Administração sendo este que pode ser
impugnado pelos particulares: “é nele que
assenta a garantia do recurso contencioso”.
Rogério Soares: Define restritivamente acto
administrativo e liga-o à ideia de recorribilidade, isto é, acto administrativo
é aquele que é susceptivel de ser impugnado pelos particulares. Segundo o
autor, acto administrativo é “estatuiçao autoritaria, relativa a um caso
individual, manifestada por um agente da Administraçao no uso de poderes de
Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos,
positivos ou negativos”. Assim, são actos administrativos apenas as actuações que
apresentam uma estatuição impositiva, e os que não reúnam estas características
são classificados como “actos instrumentais”.
Rogério Soares admite contudo, que por motivos de ordenação
de competências, nem todos os actos administrativos podem ser objecto de
recurso contencioso. Isto acaba por ser um contra-senso tendo em conta a noção
inicialmente apresentada pelo autor.
Sérvulo Correia: Oferece como definição: “A conduta
unilateral da Administração, revestida da publicidade legalmente exigida, que no
exercicio de um poder de autoridade, define inovatoriamente uma situação
juridico-administrativa concreta, quer entre a Administração e outra entidade,
quer de uma coisa”. São reintroduzidos os
elementos da definitividade e executoriedade, e o autor (tal como Rogério
Soares) destaca a existência de outros actos que não actos administrativos,
classificando-os como auxiliares. Por outro lado insere
a exigência de o acto administrativo criar, modificar ou extinguir
relações intersubjectivas.
Vasco Pereira da Silva: Defende, ao contrário dos
restantes autores, uma concepção ampla, capaz de englobar tanto a actividade da
Administração agressiva como a dinâmica prestadora da Administração do Estado
social. Baseia-se na noção dada pelo artigo 120º do CPA mas faz-lhe alguns
reparos: Em primeiro lugar, não são apenas os órgãos da Administração que
exercem funções administrativas, uma vez que também os particulares o podem
fazer. Posteriormente, diverge do Professor Freitas do Amaral ao defender que o
termo “decisões” retrata uma mera manifestação de vontade. Por fim, discorda
com as orientações restritivas ao incluir na definição de acto administrativo o
procedimento administrativo.
Assim, o autor apresenta como definição de acto
administrativo “qualquer manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou
de desejo, proveniente da Administração pública e destinada à satisfação de
necessidades colectivas que, praticadas no decurso de um procedimento, se
destina à produção de efeitos jurídicos de carácter individual e concreto.”
Em suma, verifico que apenas Vasco Pereira da Silva
apresenta uma concepção ampla de acto administrativo. Esta tem como vantagem a
resposta que é capaz de dar à diversidade e complexidade da actuação administrativa
dos dias de hoje, e é na minha óptica a posição que mais se adequa, face à actual
dinâmica da Administração.
Gonçalo Vieira e Silva
140111015
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