domingo, 11 de maio de 2014

O Acto Administrativo na Doutrina Portuguesa - Noção Ampla vs Restrita



Com a entrada em cena do Estado social, começa a ser posto em causa o prisma pelo qual se avaliava o acto administrativo. A Administração, outrora agressiva e autoritária, passa a prestadora. Cresce exponencialmente o número de direitos e garantias atribuídos aos particulares, e consequentemente dilatam-se as funções que cabem à Administração, bem como as suas formas de actuação. O acto administrativo - previsto no artigo 120º do CPA - perde protagonismo para os contratos, regulamentos, etc. e deixa de ocupar a posição central do Direito Administrativo - da "farda única" passou-se para o "pronto-a-vestir".

Tendo em conta este panorama, deixa de fazer sentido a definição de acto administrativo apresentada por Mayer (que o equiparava a uma sentença) e Hauriou (que defendia que este tinha de ser susceptível de ser coactivamente executado).

Posto isto, considero pertinente expor as várias posições a ter em conta, no plano Administrativo português, acerca da concepção de acto administrativo.  

Marcello Caetano: Sustenta a posição clássica da escola de Lisboa e parte de uma noção muito ampla de actos jurídicos da administração, nela incluindo os regulamentos, actos jurisdicionais e os actos administrativos. Esta amplitude traduzia a “promiscuidade” existente na época, em que era frágil a divisa entre Administração e Tribunais. Depois, distingue do acto administrativo em sentido amplo um conceito mais estreito: “distinção que à luz do Direito positivo e da teoria jurídica se reveste do maior significado: é a que tem de fazer-se entre actos administrativos definitivos e executórios e os que não reúnam esses requisitos.” Sendo definitivo, define os direitos dos súbditos, e é susceptível de ser coactivamente executado por ser executório.
Para o autor, o acto administrativo é definido “como a conduta voluntaria de um órgão da Administração no exercício de um poder público que para prossecução de interesses a seu cargo, pondo termo a um processo gracioso ou dando resolução final a uma petição, defina, com força obrigatória e coerciva, situações jurídicas num caso concreto.” 

Diogo Freitas do Amaral: Também apresenta uma noção ampla de acto administrativo, como “acto juridico unilateral, praticado por um órgão da Administração, no exercício de um poder Administrativo, que visa a produçao de efeitos juridicos sobre uma situaçao individual num caso concreto”. De seguida, defende que o “acto administrativo completo” tem de ser definitivo e executório. Definitivo porque o autor defende que o uso do termo “decisões” no artigo 120º do CPA implica a correspondência entre o acto e uma sentença, e executório porque é através desta concepção de acto administrativo, agora mais restrita, que se dá o exercício do poder autoritário da Administração sendo este que pode ser impugnado pelos particulares: “é nele que assenta a garantia do recurso contencioso”.

Rogério Soares: Define restritivamente acto administrativo e liga-o à ideia de recorribilidade, isto é, acto administrativo é aquele que é susceptivel de ser impugnado pelos particulares. Segundo o autor, acto administrativo é “estatuiçao autoritaria, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administraçao no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos”. Assim, são actos administrativos apenas as actuações que apresentam uma estatuição impositiva, e os que não reúnam estas características são classificados como “actos instrumentais”.
Rogério Soares admite contudo, que por motivos de ordenação de competências, nem todos os actos administrativos podem ser objecto de recurso contencioso. Isto acaba por ser um contra-senso tendo em conta a noção inicialmente apresentada pelo autor.  

Sérvulo Correia: Oferece como definição: “A conduta unilateral da Administração, revestida da publicidade legalmente exigida, que no exercicio de um poder de autoridade, define inovatoriamente uma situação juridico-administrativa concreta, quer entre a Administração e outra entidade, quer de uma coisa”. São reintroduzidos os elementos da definitividade e executoriedade, e o autor (tal como Rogério Soares) destaca a existência de outros actos que não actos administrativos, classificando-os como auxiliares. Por outro lado insere a exigência de o acto administrativo criar, modificar ou extinguir relações intersubjectivas.

Vasco Pereira da Silva: Defende, ao contrário dos restantes autores, uma concepção ampla, capaz de englobar tanto a actividade da Administração agressiva como a dinâmica prestadora da Administração do Estado social. Baseia-se na noção dada pelo artigo 120º do CPA mas faz-lhe alguns reparos: Em primeiro lugar, não são apenas os órgãos da Administração que exercem funções administrativas, uma vez que também os particulares o podem fazer. Posteriormente, diverge do Professor Freitas do Amaral ao defender que o termo “decisões” retrata uma mera manifestação de vontade. Por fim, discorda com as orientações restritivas ao incluir na definição de acto administrativo o procedimento administrativo.
Assim, o autor apresenta como definição de acto administrativo “qualquer manifestação unilateral de vontade, de conhecimento ou de desejo, proveniente da Administração pública e destinada à satisfação de necessidades colectivas que, praticadas no decurso de um procedimento, se destina à produção de efeitos jurídicos de carácter individual e concreto.”

Em suma, verifico que apenas Vasco Pereira da Silva apresenta uma concepção ampla de acto administrativo. Esta tem como vantagem a resposta que é capaz de dar à diversidade e complexidade da actuação administrativa dos dias de hoje, e é na minha óptica a posição que mais se adequa, face à actual dinâmica da Administração.

Gonçalo Vieira e Silva
140111015

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