As transformações
sofridas pela administração pública, têm vindo a implicar alterações e
evoluções ao nível da noção de acto administrativo. Acto este que se tem
transformado e adaptado as novas realidades, tanto do ponto de vista externo,
como interno.
Os próprios modelos
de Estado, tal como relativamente as transformações na administração pública,
demonstram a existência de uma ''historicidade'' do conceito de acto
administrativo, tal que: o Estado liberal, num âmbito de administração
agressiva, deu-nos a conhecer um modelo autoritário de acto administrativo; o
Estado social, num contexto de administração prestadora, apresentou-nos uma
imagem favorável de acto administrativo; e o Estado pós-social, com a
emancipação de uma Administração infra-estrutural, criou uma concepção de acto
administrativo multilateral.
Posto isto:
As construções
doutrinárias do século XIX marcam o que corresponde aos traumas de infância
difícil e introduzem uma noção autoritária de acto administrativo. Decorrem de
uma visão positivista que transforma em conceitos jurídicos a realidade do
estado liberal (estado polícia), modelo que fazia do acto polícia a realidade
que era preciso estudar enquanto realidade central.
Mas se havia dois
autores positivistas, quer os fins, quer a metodologia eram diferentes num e no
outro, enquanto Otto Mayer se revela um positivista científico, Hauriou
mostrava-se um positivista psicológico, sociológico.
Este conceito só foi
afastado e, Portugal com a revisão constitucional de 1989 e só desapareceu
definitivamente com a reforma de 2002, mas mesmo assim hoje em dia ainda
aparecem vestígios no nosso CPA. É uma realidade que perdura muito tempo, e vai
marcar a evolução do direito administrativo nos diferentes países.
O acto administrativo
era um acto de definição do direito, aplicado aos particulares, e susceptível
de ser imposto coactivamente
De acordo com Otto Mayer, o modelo do acto administrativo,
era o modelo da sentença. Para o positivismo a administração e justiça eram
funções secundárias de mera aplicação do direito e, portanto, funções
equiparadas. E com base neste pressuposto o autor considerava que o acto
administrativo era equiparado a sentença, e que, tal como uma sentença do
tribunal, a primeira função do acto administrativo era " definir o direito
aplicável ao súbdito no caso concreto ". E se a segunda função da sentença
de um tribunal se baseava numa noção de auto exequibilidade, ou seja, de
aplicação automática, então também as decisões da administração pública devem
ser de execução automática quanto ao particular.
Contudo, a visão de
Otto Mayer não pode fazer sentido, primeiro porque administração e justiça são
entidades diferentes, que emanam actos diferentes, e tem funções diferentes.
Administração é uma entidade activa e o tribunal é passivo e imparcial. Não há
que equiparar nem as funções, nem os actos um do outro, e a própria ideia de
definição do direito é uma ideia que só é aplicável em relação a actos típicos
da administração polícia em que a aplicação do direito corresponde a uma
realidade imediata. E na medida em que para o juiz, definir o direito
corresponde ao desempenho da sua função, para a administração o direito é
instrumental, utilizado apenas para a
satisfação das necessidades colectivas.
Já Hauriou, partindo de pressupostos diferentes, considerava
que o acto administrativo devia ser comparado com o negócio jurídico. Esta
comparação iria acentuar os poderes exorbitantes da administração (que não
existem no direito privado), e que segundo o autor são realidades
caracterizadoras do direito administrativo. Os poderes das decisões
administrativas seriam então: definição do direito aplicável ao particular e
privilégio de imposição coactiva contra a vontade dos particulares, sendo que
este último poder em Portugal se veio a chamar poder de execução prévia.
Estas concepções assentam num modelo de administração
agressiva, em que a actuação da administração punha em causa os direitos dos
particulares nos domínios da polícia e defesa. E esta construção, mesmo se
entrou em crise logo com a transição para o século XX, viria a ter grande
influência em países como Portugal onde foi adoptada pelo legislador e pela
jurisprudência.
Este conceito só foi
afastado em Portugal com a revisão constitucional de 1989, mas só desapareceu
definitivamente a noção de ''acto legislativo executório com a reforma de
2002'', apesar de ainda hoje deixar vestígios seus no actual Código de
Procedimento Administrativo.
Já o Estado social
trouxe consigo a administração prestadora, sendo chamada a intervir na vida
económica, social e cultural, e chamada a satisfazer direitos dos particulares.
Apesar de tudo esta transição, do modelo de acto autoritário para modelo de
acto prestador, deve ser entendida também em termos teóricos.
Na sequência do
Estado social e da sua crise, surgiu o Estado pós-social, que assenta na crise
em que vivemos ainda hoje. Este modelo de Estado trouxe consigo um novo modelo
de administração pública: a administração infra estrutural, em que a
administração assentava numa base nem e puramente agressiva nem excessivamente
ao serviço das prestações individualizadas a favor dos cidadãos,
concretizava-se sim, na prática actos que afectam uma multiplicidade de
sujeitos para que a função administrativa seja realizada através de métodos
cooperativos, na valorização da natureza contratual, em conformidade com os
privados. (Como por exemplo as parcerias público privadas, porque por um lado
correspondem a nível muito intenso de participação e por outro, associadas a um
carácter financeiro, são um instrumento que se abusado, pode ter consequências
nas finanças públicas, que foi efectivamente o que aconteceu.)
Surge então um novo
tipo de acto que começou a ser doutrinariamente estudado. Em princípio numa
forma incipiente, nos anos 60 pelo autor alemão chamado Laubinger , donde os
actos administrativos produzem efeitos para além dos particulares nomeados, e
correspondem as tais relações jurídicas multilaterais dos nossos dias.
Actualmente:
Nos dias de hoje, há
que considerar novas formas de actuação alternativas ao acto administrativo,
mas é também preciso procurar conceitos que definam o que está antes do acto e
para além do acto. Tudo assenta na ideia de que o acto administrativo se altera
consoante as transformações económicas, políticas e sociais. Emerge a
necessidade de conceber um conceito amplo que permita englobar os actos
agressivos e coactivos da administração polícia, os actos da administração
prestadora e os actos com uma dimensão infra estrutural, que produzem efeitos
múltiplos.
O artigo 120ª do CPA
adoptou uma filosofia adequada na noção de acto administrativo, por ser
bastante ampla, permitindo assim, caracterizar (com uma ou outra correcção) a
realidade dos actos administrativos passados com a realidade actual, englobando
no seu texto:
• Decisões dos
órgãos da administração;
• Decisões ao
abrigo de normas de direito público;
• Decisões que
visam produzir efeitos jurídicos, reportadas a situações individuais e
concretas;
Deste modo, na
doutrina, a discussão que se coloca acerca da definição de acto administrativo
já não é a de ‘’acto administrativo executório’’, mas tem que ver com o
problema de saber se se deve adoptar um conceito amplo ou um conceito restrito
de acto administrativo. O professor Vasco Pereira da Silva e outros autores
como Marcelo Rebelo de Sousa, Maria da Glória Garcia, Maria João Estorninho,
etc, são a favor do conceito amplo de
acto administrativo. Já Freitas do Amaral, a título de exemplo, adopta um
conceito restritivo de acto administrativo.
Adoptando uma visão crítica e conhecendo a sociedade em que
hoje vivemos, considero ser fundamental a defesa de um conceito amplo de acto
administrativo. Penso que está na altura de ultrapassar todos os ''traumas de
infância'' já conhecidos e esbatidos da administração, e seguir numa linha de
evolução contínua que englobe um pouco dos traços caracterizadores dos actos caracterizadores
dos vários modelos de Estado para que se possa chegar a um ''climax'' que
concentre o que de melhor há em todos os modelos. Acompanhando claro a evolução
da sociedade e nunca descurando da ideia de que «a liberdade de cada um acaba
onde começa a de outro», para que, assim e numa lógica de harmonia se evitem os
excessos tanto por parte da administração como da parte do particular.
Beatriz Pereira
Valério Jorge Pimenta
Número: 140112049
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