terça-feira, 13 de maio de 2014

Acto administrativo - a síntese da sua evolução




  As transformações sofridas pela administração pública, têm vindo a implicar alterações e evoluções ao nível da noção de acto administrativo. Acto este que se tem transformado e adaptado as novas realidades, tanto do ponto de vista externo, como interno.

  Os próprios modelos de Estado, tal como relativamente as transformações na administração pública, demonstram a existência de uma ''historicidade'' do conceito de acto administrativo, tal que: o Estado liberal, num âmbito de administração agressiva, deu-nos a conhecer um modelo autoritário de acto administrativo; o Estado social, num contexto de administração prestadora, apresentou-nos uma imagem favorável de acto administrativo; e o Estado pós-social, com a emancipação de uma Administração infra-estrutural, criou uma concepção de acto administrativo multilateral.

 Posto isto:

 As construções doutrinárias do século XIX marcam o que corresponde aos traumas de infância difícil e introduzem uma noção autoritária de acto administrativo. Decorrem de uma visão positivista que transforma em conceitos jurídicos a realidade do estado liberal (estado polícia), modelo que fazia do acto polícia a realidade que era preciso estudar enquanto realidade central.

 Mas se havia dois autores positivistas, quer os fins, quer a metodologia eram diferentes num e no outro, enquanto Otto Mayer se revela um positivista científico, Hauriou mostrava-se um positivista psicológico, sociológico.

 Este conceito só foi afastado e, Portugal com a revisão constitucional de 1989 e só desapareceu definitivamente com a reforma de 2002, mas mesmo assim hoje em dia ainda aparecem vestígios no nosso CPA. É uma realidade que perdura muito tempo, e vai marcar a evolução do direito administrativo nos diferentes países.

 O acto administrativo era um acto de definição do direito, aplicado aos particulares, e susceptível de ser imposto coactivamente

De acordo com Otto Mayer, o modelo do acto administrativo, era o modelo da sentença. Para o positivismo a administração e justiça eram funções secundárias de mera aplicação do direito e, portanto, funções equiparadas. E com base neste pressuposto o autor considerava que o acto administrativo era equiparado a sentença, e que, tal como uma sentença do tribunal, a primeira função do acto administrativo era " definir o direito aplicável ao súbdito no caso concreto ". E se a segunda função da sentença de um tribunal se baseava numa noção de auto exequibilidade, ou seja, de aplicação automática, então também as decisões da administração pública devem ser de execução automática quanto ao particular.

 Contudo, a visão de Otto Mayer não pode fazer sentido, primeiro porque administração e justiça são entidades diferentes, que emanam actos diferentes, e tem funções diferentes. Administração é uma entidade activa e o tribunal é passivo e imparcial. Não há que equiparar nem as funções, nem os actos um do outro, e a própria ideia de definição do direito é uma ideia que só é aplicável em relação a actos típicos da administração polícia em que a aplicação do direito corresponde a uma realidade imediata. E na medida em que para o juiz, definir o direito corresponde ao desempenho da sua função, para a administração o direito é instrumental,  utilizado apenas para a satisfação das necessidades colectivas.

Já Hauriou, partindo de pressupostos diferentes, considerava que o acto administrativo devia ser comparado com o negócio jurídico. Esta comparação iria acentuar os poderes exorbitantes da administração (que não existem no direito privado), e que segundo o autor são realidades caracterizadoras do direito administrativo. Os poderes das decisões administrativas seriam então: definição do direito aplicável ao particular e privilégio de imposição coactiva contra a vontade dos particulares, sendo que este último poder em Portugal se veio a chamar poder de execução prévia.

Estas concepções assentam num modelo de administração agressiva, em que a actuação da administração punha em causa os direitos dos particulares nos domínios da polícia e defesa. E esta construção, mesmo se entrou em crise logo com a transição para o século XX, viria a ter grande influência em países como Portugal onde foi adoptada pelo legislador e pela jurisprudência.

 Este conceito só foi afastado em Portugal com a revisão constitucional de 1989, mas só desapareceu definitivamente a noção de ''acto legislativo executório com a reforma de 2002'', apesar de ainda hoje deixar vestígios seus no actual Código de Procedimento Administrativo.

 Já o Estado social trouxe consigo a administração prestadora, sendo chamada a intervir na vida económica, social e cultural, e chamada a satisfazer direitos dos particulares. Apesar de tudo esta transição, do modelo de acto autoritário para modelo de acto prestador, deve ser entendida também em termos teóricos.

 Na sequência do Estado social e da sua crise, surgiu o Estado pós-social, que assenta na crise em que vivemos ainda hoje. Este modelo de Estado trouxe consigo um novo modelo de administração pública: a administração infra estrutural, em que a administração assentava numa base nem e puramente agressiva nem excessivamente ao serviço das prestações individualizadas a favor dos cidadãos, concretizava-se sim, na prática actos que afectam uma multiplicidade de sujeitos para que a função administrativa seja realizada através de métodos cooperativos, na valorização da natureza contratual, em conformidade com os privados. (Como por exemplo as parcerias público privadas, porque por um lado correspondem a nível muito intenso de participação e por outro, associadas a um carácter financeiro, são um instrumento que se abusado, pode ter consequências nas finanças públicas, que foi efectivamente o que aconteceu.)

 Surge então um novo tipo de acto que começou a ser doutrinariamente estudado. Em princípio numa forma incipiente, nos anos 60 pelo autor alemão chamado Laubinger , donde os actos administrativos produzem efeitos para além dos particulares nomeados, e correspondem as tais relações jurídicas multilaterais dos nossos dias. 

Actualmente:

 Nos dias de hoje, há que considerar novas formas de actuação alternativas ao acto administrativo, mas é também preciso procurar conceitos que definam o que está antes do acto e para além do acto. Tudo assenta na ideia de que o acto administrativo se altera consoante as transformações económicas, políticas e sociais. Emerge a necessidade de conceber um conceito amplo que permita englobar os actos agressivos e coactivos da administração polícia, os actos da administração prestadora e os actos com uma dimensão infra estrutural, que produzem efeitos múltiplos.

 O artigo 120ª do CPA adoptou uma filosofia adequada na noção de acto administrativo, por ser bastante ampla, permitindo assim, caracterizar (com uma ou outra correcção) a realidade dos actos administrativos passados com a realidade actual, englobando no seu texto: 

•    Decisões dos órgãos da administração;
•    Decisões ao abrigo de normas de direito público;
•    Decisões que visam produzir efeitos jurídicos, reportadas a situações individuais e concretas;

 Deste modo, na doutrina, a discussão que se coloca acerca da definição de acto administrativo já não é a de ‘’acto administrativo executório’’, mas tem que ver com o problema de saber se se deve adoptar um conceito amplo ou um conceito restrito de acto administrativo. O professor Vasco Pereira da Silva e outros autores como Marcelo Rebelo de Sousa, Maria da Glória Garcia, Maria João Estorninho, etc,  são a favor do conceito amplo de acto administrativo. Já Freitas do Amaral, a título de exemplo, adopta um conceito restritivo de acto administrativo.

Adoptando uma visão crítica e conhecendo a sociedade em que hoje vivemos, considero ser fundamental a defesa de um conceito amplo de acto administrativo. Penso que está na altura de ultrapassar todos os ''traumas de infância'' já conhecidos e esbatidos da administração, e seguir numa linha de evolução contínua que englobe um pouco dos traços caracterizadores dos actos caracterizadores dos vários modelos de Estado para que se possa chegar a um ''climax'' que concentre o que de melhor há em todos os modelos. Acompanhando claro a evolução da sociedade e nunca descurando da ideia de que «a liberdade de cada um acaba onde começa a de outro», para que, assim e numa lógica de harmonia se evitem os excessos tanto por parte da administração como da parte do particular.


  Beatriz Pereira Valério Jorge Pimenta

  Número: 140112049



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