quinta-feira, 15 de maio de 2014

O Regulamento e a Lei



É relativa a fronteira entre a lei e o regulamento administrativo - ela é delimitada em função do momento histórico e do tipo de organização político-administrativa do Estado. Conforme escreveu Marques Guedes, é de "aplicação prática incerta qualquer distinção apriorística". A Constituição da República Portuguesa não prevê qualquer tipo de divisão material entre as duas figuras, e adiante formulam-se vários critérios tendo em vista esta distinção entre lei e regulamento. 

Desponta em primeiro lugar um critério que defende que a questão se solucionaria através da diferenciação entre princípios e pormenores. Assim, enquanto a lei se encarrega de expressar os princípios, o regulamento trata dos pormenores. Todavia, esta posição (que serviu de inspiração para a escola clássica francesa) peca por ser vaga e pouco rigorosa, e segundo Freitas do Amaral "nada impede que haja pormenores numa lei e princípios num regulamento". 

Um segundo critério, trazido pela escola alemã de Direito Público e em Portugal sustentada por Marcello Caetano, defende que a dissemelhança entre as duas figuras deve ser aferida com base no elemento da novidade, que é característica da lei, mas que não consta no regulamento. No entanto, esta posição denotou algumas dificuldades quando confrontada com a modalidade independente/autónoma dos regulamentos. Estes, na opinião de Freitas do Amaral, "são eles próprios inovadores, criam direito", tornando-se assim materialmente impossível distingui-los da lei.

O terceiro critério a ter em conta, e que é preconizado por Freitas do Amaral, é o que se foca na paridade das duas figuras no plano material uma vez que nesta perspectiva ambas são normas jurídicas. Assim sendo, só é possível estabelecer-se uma distinção a nível orgânico (prestando-se atenção à diferente classificação hierárquica dos órgãos que emitem regulamentos administrativos face aos que emitem leis e formal) e formal (uma vez que uma e outro têm diferente valor formal – a lei pode contrariar o regulamento, mas o contrário não se verifica). Deste modo, classifica-se como lei o acto oriundo de órgão com competência legislativa sob forma de lei, independentemente de se verificar que o seu alcance seja individual ou que inclua disposições de índole regulamentar. Por outro lado, e no seguimento desta ordem de ideias, é regulamento o acto proveniente de órgão com competência regulamentar com a forma de regulamento sendo irrelevante que este seja inovador.

Existem motivos de ordem prática que tornam pertinente esta distinção: Em primeiro lugar, se uma lei é contrária a outra esta última é revogada, ou dá-se a coexistência das duas tendo elas diferentes campos de aplicação. Contudo, se um regulamento contraria uma lei ele é ilegal. Outro aspecto a ter em conta prende-se com a impugnação contenciosa, visto que em regra apenas se pode impugnar uma lei se esta for inconstitucional, mas um regulamento pode ser impugnado contenciosamente, junto dos tribunais administrativos, com base na sua ilegalidade.

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