Existe,
tal como nos foi leccionado, uma aproximação inegável entre estes dois
conceitos, uma vez que não é possível atender ao regime dos Contratos Públicos, sem
mencionar o Direito Comunitário.
Uma
das grandes impulsionadoras desta tese, é a Professora Maria João Estorninho.
Ao
ler algumas partes do seu livro, consegui entender que para perceber as razões
pelas quais se adoptou a noção de contrato
público que hoje estudamos, noção essa que se foi progressivamente
tornando mais exigente e abrangente, é necessário atender à sua evolução
histórica, na medida em que a noção
tradicional não defendia esta mesma noção.
A
Professora, no seu livro reconduz esta evoluçao e processo a quatro passos fundamentais:
1. O primeiro grande passo foi dado pelas Directivas
Clássicas, que se baseavam sobretudo regras procedimentais. Esta mudança, trouxe desde logo, uma série de implicações conceptuais, vindo bulir com a
figura do contrato administrativo, isto na medida em que, essas novas exigências relativas ao procedimento eram aplicáveis quer aos contratos administrativos, quer aos
contratos de direito privado da Administração. Por outro lado, aplica-se também tanto às
entidades administrativas "tradicionais", como às entidades públicas sob forma
privada. Estes diplomas marcaram o início de um novo processo de convergência e
uniformização das regras jurídicas aplicáveis aos diversos contratos da
Administração, independentemente da sua natureza pública ou privada (na
perspectiva tradicional), começando-se a diluir as fronteiras da figura do
contrato administrativo (enquanto contrato da Administração Pública sujeito a
regras de direito público), relativamente aos contratos de direito privado da
Administração e aos contratos entre particulares.
2. O segundo momento, deu-se com a
Directiva de sectores excluídos que, apesar de não conter regras tão rigorosas como as das Directivas clássicas, alargaram essas mesmas regras, aos sectores inicialmente
excluídos, abrangendo no seu âmbito de aplicação subjectivo também os
particulares, que operam nesses sectores. Libertou-se assim, definitivamente, a
noção de contratos públicos da natureza jurídico-pública (directa ou indirecta)
da entidade contratante.
3. Num terceiro momento, a jurisprudência comunitária vai
alargar mais o universo dos contratos
públicos, começando a aplicar a contratos da Administração não especificamente
abrangidos pelas Directivas, os princípios nelas contidos (princípio da não
discriminação em razão da nacionalidade, princípio da igualdade, princípio da
transparência, princípio do reconhecimento mútuo e princípio da proporcionalidade).
4. O Ultimo momento, com maior relevância, desta evolução,
ocorreu com as Directivas 89/665/CE, do Conselho, de 21/12/1989 (sobre
coordenação das disposições legais, regulamentares e administrativas referentes
à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de adjudicação dos
contratos públicos de fornecimentos e de obras) e 92/13/CE, de 25/2/1992 (sobre
coordenação das disposições legais, regulamentares e administrativas referentes
à aplicação das normas comunitárias nos procedimentos de celebração de
contratos das entidades que operem nos sectores da água, energia, transportes e
telecomunicações). Estas duas Directivas trouxeram, numa óptica dos meios
processuais, uma uniformização dos regimes aplicáveis a contratos quer celebrados por entidades públicas, quer por privadas e, por outro lado, quer a
contratos tradicionalmente qualificados como administrativos quer de direito
privado da Administração Pública.
Para a Professora Maria João Estorninho, a observação desta evolução torna “absolutamente óbvia a
necessidade de reconstrução teórica nesta matéria”. Estando perante uma indiscutível
tendência de uniformização de regimes jurídicos, quer em termos procedimentais
quer em termos de contencioso, torna-se impossível continuar a defender uma
compartimentação estanque entre o procedimento pré-contratual (sujeito a um
regime uniforme de natureza jurídico-pública) e o regime substantivo do
contrato (onde continuaria a ser possível sujeitar determinados contratos a
regimes de direito privado).
Esta evolução contudo, marcou o fim da dicotomia, em
ordenamentos jurídicos de inspiração francesa (como é o caso do Português), entre contratos
administrativos (sujeitos a regimes substantivos de direito público) e contratos de direito privado da Administração
Pública (sujeitos a regimes de direito civil e à jurisdição comum).
O Professor Vasco
Pereira da Silva, relativamente à reforma do contencioso administrativo e do
alargamento do âmbito da jurisdição administrativa, considera importante também destacar o surgimento
da noção comunitária de contrato público e de um verdadeiro Direito Europeu da
Contratação Pública, cujas normas se aplicam independentemente das
qualificações internas dadas aos contratos.
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