No direito administrativo vigora, à semelhança dos
outros ramos do direito, o princípio do estado de necessidade como exclusão da
ilicitude.
O Professor Marcelo Caetano no seu manual de Direito
administrativo reconhecia o estado de necessidade como principio decorrente
essencialmente da Ordem Jurídica. Este Professor definia estado de necessidade
como uma “atuação sob o domínio de um perigo iminente e atual para cuja
produção não haja concorrido a vontade do agente” isto é “um facto estranho ao
agente que o impele a adotar uma conduta ilegal para evitar a produção de uma
mal menor” (Manual de Direito Administrativo, vol.II). Admite ainda com alguma
desconfiança a indemnização dos lesados aplicando por analogia o regime da
responsabilidade por factos lícitos e apenas em casos de especial prejuízo.
Por sua vez Freitas do Amaral vai inserir, por sua
vez este instituto nas causas de exclusão da ilicitude definindo-o como uma
“atuação imediata e urgente com vista a salvaguarda de bens essenciais”
“abrangida pela ideia de Direito, por um principio da juridicidade” (Curso de
Direito Administrativo vol.II). Esta atuação é valida mesmo em preterição de
“regras estabelecidas para circunstância normais”. Descreve em seguida o
enquadramento deste instituto no ordenamento jurídico português que aqui se
reproduz. O nº5 do artigo 162º do velho “código administrativo” prevê em caso
de incêndio a possibilidade de as autoridades policiais ou os comandantes de
bombeiros praticarem uma série de atos (demolição, destruição, remoção de
certos bens patrimoniais de particulares terceiros). O artigo 3º, nº2 do CPA
por sua vez estabelece como validos atos que embora praticados com preterição
das restantes disposições do mesmo código tenham sido praticados em estado de
necessidade e desde que “os resultados não pudessem ser alcançados de outro
modo”. Por ultimo, da conjugação destas normas com os artigos 19º e 266º, nº2
da CPR e com o artigo 16º da RCEEP, retira o, celebre administrativista, um
principio geral do direito administrativo que considera o “estado de necessidade
como causa de exclusão da ilicitude. Como pressupostos deste instituto indica:
a existência de uma situação de necessidade; a existência de um interesse pública
superior; a excecionalidade; princípio da proporcionalidade. Distingue ainda de
estado de necessidade a “urgência administrativa” que consiste nas situações
que a própria lei especialmente prevê para casos de perigosidade ou gravidade
especiais uma adequação simplificada mas ainda ordinária. É o caso da norma do
artigo 103º, nº1 alínea a) do CPA.
Por sua vez o professor Paulo Otero vê o estado de
necessidade, dentro do quadro atual do direito positivo, como uma “cláusula de
conformidade normativa da atuação da Administração Pública pela qual opera uma
derrogação das regras aplicadas em circunstâncias normais substituindo-as por
uma “legalidade alternativa” (Legalidade e Administração Pública). Refere ainda
a possibilidade de este instituto poder aplicar-se em termos gerais a normas de
competência, forma, procedimento e de conteúdo material. Este professor não
admite porem que o estado de necessidade possa excluir a ilicitude de atos
inexistentes pois devido à gravidade do desvalor que os reveste estes não são
passiveis de serem recuperados pela ordem jurídica. Coloca ainda bastantes reservas à utilização
deste instituto para a sanação de atos nulos sujeitando-a aos princípios da
idoneidade ou adequação, da proporcionalidade, da necessidade e da excecionalidade
conjugados com a urgência da atuação face aos fins prosseguidos. Os atos
anuláveis são assim para este autor o campo de aplicação, por excelência, desta
“cláusula”.
Por fim cabe analisar este princípio á luz daquilo
que foi o ensinamento lecionado nas aulas e que possa de alguma forma completar
o que já foi exposto. Parece ser aqui relevante a indicação de duas ideias, a
ideia de que nenhuma atuação administrativa é totalmente vinculada nem
totalmente discricionária. Verifica-se inquestionavelmente, para a aplicação
deste instituto o exercício da função administrativa dentro de uma margem de,
pelo menos, decisão, isto é, do que tradicionalmente de designa de
discricionariedade. Caso contrário ou estariamos perante um caso de força maior
pois não haveria qualquer “liberdade” (Marcelo Caetano, Manual…). No entanto ao contrário do que alguns autores afirmam,
não se trata de uma atuação marginal à legalidade pois está desde logo sujeita
ao Direito como ordem normativa, como também aqui já foi dito. À luz desta ideia
é da própria vinculação imposta pela ordem jurídica, antes de qualquer outra, à
margem de “manobra” (margem de interpretação, apreciação e decisão) da atuação
administrativa que surge a figura do estado de necessidade. Deste modo não será
rigoroso designar-se este instituto como exclusão de ilicitude, à semelhança do
que acontece em relação ao direito civil, uma vez que a administração, quando
atua em estado de necessidade (tendo em conta o preenchimento dos requisitos e
o respeito pelos princípios já referidos) não o faz por “imperativo de
consciência” mas no cumprimento de um verdadeiro dever jurídico. Isto é a
atuação é sempre uma atuação não só material lícita (como no Direito Civil)
como é materialmente devida, pelo que a omissão, ainda que formalmente lícita é
materialmente ilícita. Este ilícito material pode por sua vez, à luz da teoria
da norma de proteção ser levada a juízo nos tribunais administrativos.
Gonçalo Calheiros Veloso, 140112059
(Publicado por mim dados problemas técnicos de acesso ao blog por parte do autor)
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