Foi no séc. XIX, em França, durante o Estado Liberal, que pela primeira vez se ouviu falar em acto administrativo. Nesta altura, a Administração tinha uma intervenção bastante reduzida e, quando existente, era consideravelmente agressiva. O acto administrativo estava no centro desta realidade. Foi o facto de estar vedada aos tribunais a possibilidade de apreciarem os actos administrativos que veio a causar o chamado "Pecado Original". Havia um auto-controlo da Administração.
O acto administrativo no período liberal era caracterizado como sendo um acto definitivo (decidia o direito aplicável ao caso concreto) e executório (era susceptível de execução coactiva contra a vontade dos particulares). Por outras palavras, a Administração, primeiro, declarava direito e, depois, impunha coactivamente esse mesmo direito. Esta é a concepção clássica da actuação da Administração, sendo que em Portugal perdurou até à Constituição de 1976, que só a veio a afastar com a revisão de 1986.
Depois desta momento inicial, deu-se a fase à qual o Prof. Vasco Pereira da Silva intitulou como "fase do baptismo". De uma prévia noção ampla de acto administrativo, foi-se paulatinamente passando para uma mais restrita, resultante do surgimento de tribunais que, agora sim, apreciavam e fiscalizavam a actuação da Administração, passando a haver uma efectiva tutela judicial.
Com o Estado Social, passa-se para um Administração prestadora, momento ao qual o Prof. Vasco Pereira da Silva chama "fase do crisma". Foi visível uma multiplicidade da actividade administrativa. Segundo a analogia que nos foi feita na aula, da farda única passou-se para um verdadeiro pronto a vestir. O acto administrativo passa a ser apenas uma das formas de actuação da Administração. Ao lado do acto, e em concorrência com este, surgem também contratos (cada vez mais importantes) e regulamentos, possibilitando actuações gerais e abstractas por parte da Administração, em alternativa ao acto administrativo. Surge também a ideia de actividade formal da Administração.
Nesta fase, os actos já não são definitivos e executórios, mas sim positivos, ou seja, de atribuição de direitos. Temos agora uma Administração que procura a satisfação de necessidades colectivas.
Mais tarde, com a crise do Estado Social, há uma afirmação de novos direitos fundamentais e as relações jurídicas passam a ser multilaterais. Perante esta realidade, surge um novo tipo de acto, um acto que produz efeitos a uma multiplicidade de sujeitos.
Nos dias de hoje, há um conjunto de novas funções que o acto é chamado a desempenhar e que introduzem uma nova dimensão no quadro do relacionamento entre o particular e a Administração. Em primeiro lugar, pode funcionar como garantia de previsibilidade dos comportamentos futuros da Administração. Em segundo lugar, tem a função de ser um instrumento para criar novas relações com os particulares. Por último, serve de meio adequado para a autonomização da Administração Pública.
Desta forma, é possível concluir que o conceito de acto administrativo surgiu, numa primeira fase, como garantia da própria Administração e, mais tarde, veio a transformar-se numa garantia para os particulares.
Andrea Gaspar
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