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sexta-feira, 16 de maio de 2014
O regulamento luminoso
Provavelmente nunca pensaria sobre a natureza jurídica do semáforo que se "atravessa" no meu caminho diariamente no trajecto até à Universidade, porém, depois da aula de Direito Administrativo na passada semana, tornou-se inevitável olhar este semáforo de forma diferente.
A questão juridicamente relevante associada a este semáforo e em geral aos sinais de trânsito prende-se com os conceitos de acto administrativo e regulamento no seio do Direito português. Estas duas formas de actuação administrativa vêm reguladas no Código do Procedimento Administrativo. No que ao acto administrativo diz respeito, este vem regulado nos artigos 120º e seguintes do CPA em que se associam os requisitos da individualidade e concretude a esta forma de actuação administrativa. Quanto ao regulamento, poucas são as normas do supra mencionado diploma legislativo que com ele se ocupam, facto que tem vindo a ser razão para que algumas vozes se pronunciem criticamente em relação ao CPA. A este respeito têm surgido até propostas de novas regras para a actuação regulamentar no projecto de reforma deste diploma que se encontra em curso.
O regulamento insere-se numa lógica de autovinculação do poder administrativo, sendo que, por conseguinte, qualquer órgão que tenha poder para decidir em concreto, leia-se sob forma de acto administrativo, tem poder para decidir em abstracto. Decidir em abstracto neste sentido é decidir por via de regulamento, pois à noção desta forma de agir da função administrativa encontram-se associadas duas principais características, a generalidade e a abstracção que se contrapõe à individualidade e concretude características do acto administrativo como resulta do artigo 120º do CPA.
Diz-se geral a forma de actuação que não identifica os seus destinatários, sendo que o Professor M. Caetano a este respeito falava ainda na aplicabilidade para o futuro associada à generalidade. Quanto à abstracção esta deve entender-se como a susceptibilidade de aplicação a uma pluralidade de situações da vida. Aplica-se a todas as situações que correspondam aquela determinada realidade.
A problemática ganha interesse quando se verifica uma das características, mas não ambas, ou seja quando determinada actuação administrativa é geral, mas concreta ou abstracta, mas individual. Será que nestes casos mais "cinzentos" estamos perante um regulamento ou perante um acto administrativo? É a este respeito que ganha interesse o exemplo do semáforo pelo qual passo diariamente. A posição doutrinal do Professor Vasco Pereira da Silva vai no sentido de afirmar que quando há generalidade(destinatários indefinidos) há regulamento. Posição que, pessoalmente, me parece a mais razoável. Deixando as questões conceptuais de momento de parte, pelo menos à luz do direito vigente parece esta posição a mais conseguida, na medida em que a respeito dos actos administrativos o próprio CPA no artigo 120º consagra serem estes "decisões dos órgãos da Administração (...) numa situação individual e concreta." Donde, parece resultar deste preceito serem estas características essenciais desta forma de actuação administrativa. Por conseguinte, não se verificando o requisito da individualidade estamos perante um regulamento.
Apesar desta ratio argumentativa se puder ver comprometida, por razões processuais, em ordenamentos jurídicos como o alemão em que os regulamentos ilegais não são susceptíveis de impugnação judicial tal não tem cabimento à luz do direito português vigente, pois tanto regulamentos como actos administrativos são susceptíveis de impugnação judicial (veja-se a este respeito os artigos 72º e seguintes do CPTA).
Regressando à questão do semáforo, deve entender-se, seguindo o raciocínio do Prof. Vasco Pereira da Silva, como um regulamento. E isto, porque, sendo este controlado por um programa informático se pode considerar como sendo irrelevante quais os veículos que por ali passam, ou seja não há identificação dos destinatários. Não havendo identificação dos destinatários pode considerar-se como geral e por conseguinte como um regulamento. Neste caso um regulamento luminoso.
Beatriz Pereira da Silva
140112048
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