sexta-feira, 16 de maio de 2014

Evolução Histórica do Direito Administrativo

Helena Ferreira
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DIREITO ADMINISTRATIVO
PERÍODO DO ESTADO LIBERAL

A Revolução Francesa de 1789 surge em resposta ao Estado Autoritário, com adopção de medidas para tentar controlar o poder da administração pública. No entanto a eficácia de tais medidas é duvidosa.
O invocado princípio da legalidade apenas limitava formalmente o poder da administração. Quando existia lei sobre determinada matéria, esta era preferencialmente aplicada. Na maior parte dos casos em que se verificava ausência de reserva de lei, a administração podia actuar de forma discricionária, salvo intervenções no domínio da esfera privada.
A ideia de separação de poderes defendida por Montesquieu, em vez de contrariar o modelo de organização absolutista, vinha a reforçar os poderes da administração, impedindo que os tribunas comuns a julgassem.
Deste período resulta uma administração agressiva, sem liberdade, numa ideia de continuidade entre a administração e autoridade, em que a policia e forças armadas actuam a mando da administração pública.
Otto Mayer constrói o conceito de ato administrativo como uma sentença, em que o juiz, utilizando critérios jurídicos, fixa o direito aplicável ao particular no caso concreto. Hauriou fala em ato definitivo e executório, consequência dos privilégios exorbitantes da administração, na definição do direito aplicável ao caso concreto. Hauriou aponta ainda a faculdade que a administração tem de decidir e executar os seus actos, susceptíveis de execução prévia.
De acordo com os traumas de infância expostos, poderemos chamar a este período pecado original ou sistema do administrador-juiz.

PERIODO DA TOTAL CONFUSÃO    1789 - 1799
Os Tribunais comuns eram proibidos de julgar a administração que se julga a si mesma, numa lógica de introspecção que comporta necessariamente um abuso de poder, uma vez que não há hetero-controle.
Os traumas da infância consistem sobretudo no estatuto de privilégio da administração em detrimento dos particulares administrados, que não são sujeitos detentores de direitos. Nos poderes de auto-tutela da administração que permitem por exemplo que sejam demolidas casas sem autorização do Tribunal. E por último consiste no privilégio de execução prévia que determinada poderes da administração para além daqueles previstos na lei.

PERIODO DO SISTEMA DA JUSTIÇA RESERVADA  1799  -  1872
Nesta lógica perversa de separação de poderes surgiu o Conselho de estado, órgão administrativo encarregado de julgar a própria administração num sistema de justiça reservada. Este conselho só existia para favorecer a administração, estabelecendo mesmo um estatuto especial já que as mesmas pessoas que estavam no Conselho de Rei, podiam estar no Conselho de Estado. É um órgão com características administrativas e jurisdicionais ao mesmo tempo, dá conselhos à administração mas também a pode julgar. É uma justiça reservada porque os pareceres do concelho têm de ser homologados pelo executivo da administração, ou seja, a última palavra é da administração.

PERIODO DA JUSTIÇA DELEGADA  1872  -  1889
As decisões do Conselho de Estado vão ganhando carácter definitivo, passando este órgão a decidir litígios. Há quem diga que foi neste período que nasceu a justiça administrativa, mas tal posição é controversa uma vez que tal carácter definitivo resulta apenas de uma delegação de poderes pela administração, já que o Conselho de Estado continua a ser um órgão administrativo que pode mesmo ser composto pelos mesmos elementos da administração. Uma vez que a administração conserva as suas competências, inserimos este período ainda no sistema administrador-juiz.


O caso particular de Inglaterra
O conceito de separação de poderes de Lock, em muito se distingue do de Montesquieu, uma vez que os poderes apesar de independentes, controlam-se mutuamente. Como não havia o conceito de Estado mas apenas uma mera divisão de poderes que se controlavam mutuamente entre si, não surgiram tribunais administrativos nesta fase.

Portugal
Em 1832, Silveira proibiu que os Tribunais Comuns pudessem julgar a administração. Para o efeito, o Supremo Tribunal Administrativo era a única instância e todos os Ministros beneficiavam do privilégio de serem por ele julgados. Só a partir de 2004 e que passou a ser só o Primeiro-Ministro a deter tal privilegio.
Aplicava-se a regra da decisão prévia ou o chamado recurso da decisão do Ministro, uma vez que a sua intervenção dispensava prova em Tribunal. O ministro tinha de intervir antes de qualquer decisão judicial uma vez que a decisão do subalterne tinha de ser confirmada pelo seu superior hierárquico. Este sistema viola a garantia de acesso aos Tribunais hoje constitucionalmente prevista.




DIREITO ADMINISTRATIVO
PERÍODO DO ESTADO SOCIAL

Nos finais do século XIX e inícios do século XX, houve uma mudança de paradigma resultante da afectação grosseira da dignidade da pessoa humana e foi colocada a questão social. A administração acresce funções económicas e sociais.
A administração vai desconcentrar-se e descentralizar-se de forma a responder à multiplicação das suas tarefas. A lei passa a determinar as competências e o Governo passa a comportar apenas a gestão da sua concretização. Há um forte desenvolvimento do procedimento administrativo pela complexificação das funções da administração, e esta passa a ter de actuar com base em tal procedimento, pela relevância que o principio da legalidade ganha neste período.
Há uma multiplicação de soluções administrativas e consequentemente de meios. A administração passa a actuar através de ato, contrato, plano, regulamento, prestação de serviços, etc. A administração passa a poder actuar com os mesmos poderes dos particulares.
O ato administrativo deixa de ser visto como uma manifestação de poder, uma vez que não pode determinar o direito aplicável, ficando ultrapassada a fase do administrador-juiz. Podemos chamar a este período de Estado Administração, uma vez que deixa e ser autoritária e passa a prestadora.

FASE DO BAPTISMO -  SEPARAÇÃO ENTRE O TRIBUNAL E A ADMINISTRAÇÃO
JURISDICIONALIZAÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Em França o Conselho de Estado foi-se dissociando da administração de forma natural e progressiva, sem imposições legais nem revolucionarias. Pode ser considerado um milagre mais próximo da realidade britânica, uma vez que a administração aceita auto-limitar-se, sujeitando-se ao controle de um tribunal independente que se constrói a si mesmo, passando de um quase tribunal a um tribunal.
Passa a haver uma distinção material das funções da secção administrativa e contenciosa, os seus funcionários são divididos e deixam de se confundir. O administrador passa a ter um papel activo, como parte no litígio, com carácter parcial na defesa do interesse público, afastando-se do juiz passivo e imparcial.
O ato administrativo deixa de ser susceptível de execução coactiva. Na verdade a maior parte destes actos são favoráveis aos particulares ou incidem sobre deveres de prestação.
As relações da administração com os particulares são douradoras e continuadas, antes do nascimento e após a morte, ao contrário das mesmas relações no período do estado liberal, que eram instantâneas.

PORTUGAL
Na Constituição de 1933 havia ainda um Tribunal pertencente à administração. O Professor Freitas do Amaral defende que estava em causa uma justiça reservada e não apenas delegada, uma vez que não havia um sistema jurisdicional de execução das sentenças, sendo que a administração só cumpria se assim o entendesse. Os tribunais apenas tinham poderes de anulação. Os juízes estavam limitados não podendo condenar nem dar ordens.
A Constituição de 1976 consagra uma separação definitiva, autonomizando-se a secção administrativa da contenciosa.

SISTEMA ANGLO-SAXÓNICO
É um sistema que não recorre à lógica de Estado, cujas revoluções procuram restaurar a tradição e o costume, numa lógica de continuidade. Os poderes eram divididos, mas hetero-controlados entre o Monarca, o Parlamento e os Tribunais.
A multiplicação das tarefas da administração, nomeadamente a regulação do trabalho e da segurança social fazem surgir um conjunto de normas que não têm como fonte o costume, mas sim a lei. Nesta lógica de administração prestadora surgem as primeiras patologias no contencioso administrativo, através da criação de tribunais administrativos com poderes de auto-tutela similares aos Franceses no período liberal. Estes órgãos não eram a regra, mas introduziam permiscuidade. Hoje em dia existe um tribunal administrativo, enquanto tribunal especializado.





DIREITO ADMINISTRATIVO
PERÍODO DO ESTADO PÓS - SOCIAL

Este período foi marcado por uma crise económica que se prolonga até aos dias de hoje devida à falência do Estado Social e do seu efeito multiplicador de despesas públicas. Coloca-se a questão de repensar o modelo de Estado Social, apontando como solução possível a redução da intervenção administração, uma vez que os indivíduos passaram a contribuir mais para o Estado do que a receber dele.

TESE DO CRISMA OU DA CONFIRMAÇÃO
O direito administrativo passa a ter de ser inteiramente legislado, de acordo com o princípio da legalidade e da competência. O cidadão adquire como direitos fundamentais o acesso à Justiça, ao procedimento e ao controle jurisdicional.
A administração pública também actua sob forma privada, apesar de manter o seu carácter desconcentrado e descentralizado. Verifica-se uma fuga para o Direito Privado que obriga a uma busca por novos mecanismos de controle.
A administração deixa de ser prestadora para passar a ser infra-estrutural, constitutiva, reguladora.

ADMINISTRAÇÃO INFRA-ESTRUTURAL
A administração passa a actuar numa lógica de partilha de tarefas, colaborando com os privados na criação de grandes infra-estruturas, equipamentos públicos, regulação de actividades, etc.
As relações jurídicas passam a comportar uma multiplicidade de sujeitos. Qualquer privado pode intervir como sujeito de uma relação jurídica desde que afectado o seu direito, numa lógica de relações multilaterais. O ato passa a ter eficácia múltipla uma vez que não se aplica apenas aos seus destinatários directos, mas a todos aqueles por ele afectados.

FASE DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO  1970  -  1980
Superação integral dos traumas de infância assumida pela Constituição de 1976. Passa a haver verdadeiros tribunais, aos quais a administração se sujeita. O contencioso passa a ser plenamente jurisdicionalizado e os juízes do Tribunal Administrativo independentes como os outros.
A Constituição de 1976 transforma os tribunais administrativos em órgãos judiciais independentes que podem anular actos da administração e cujas decisões passam a ser susceptíveis de execução.
Passa a haver uma dupla dependência da Constituição na medida em que estabelece as bases da actuação da administração e regula o contencioso administrativo. A administração passa a basear-se na Constituição e a respeitar os seus princípios
Há uma nova lógica relacional, para a tutela dos direitos dos particulares o que configura uma mudança radical de perspectivas.

FASE DA EUROPEIZAÇÃO

A EU é uma realidade interna e não meramente internacional. Não tendo uma Constituição formal, tem uma material, que regula princípios como a separação de poderes e subsidiariedade e contem regras comuns e normas cada vez mais amplas que alteram profundamente o Direito Administrativo.

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