quarta-feira, 14 de maio de 2014

Parecer do Ministério Público relativo ao Proc. nº 000/14.0TCADG



Exmos. Juizes do Supremo Tribunal Administrativo de Lisboa,


O Ministério Público vem ao abrigo do n.º2 do art.º 85 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º 1 art.º 219 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pronunciar-se sobre mérito da causa, em defesa dos valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, a qualidade de vida dos animais, direitos fundamentais dos cidadãos e interesses públicos nos termos do n.º 2 do artigo 9.º CPTA.


Chegado ao Tribunal Administrativo de Circulo do Dragão, a petição inicial que deu origem ao presente processo n.º 129/2014, foi fornecida cópia da mesma e respetiva contestação a este Ministério Público, nos termos do n.º 1 do art.º 85 CPTA.




I.                    A 1 de Maio de 2002, o Município do Dragão, melhor identificado na petição inicial interposta pelos Amigos do Bobby, ONGA, cedeu a título provisório as antigas instalações fabris citas na Rua Freud, lote 45 à Sociedade Protetora dos Animais.
Na cedência de instalações autorizada pelo Município, este emitiu um despacho não autorizando a realização de quaisquer obras, mesmo de manutenção, baseada no fundamento da provisoriedade da cedência do espaço.
Decorridos doze anos a ONGA Amigos do Bobby vem intentar uma ação especial contra a Sociedade Protetora dos Animais e o Município do Dragão, havendo no caso sub judice uma coligação de dois demandados (art.º 12.º CPTA),com fundamento na degradação das instalações, falta de qualidade de vida dos animais da qual resulte perigo para a saúde pública.
A autora alega ainda que nas referidas instalações fabris se encontram animais capturados pela Sociedade Protetora dos Animais, embora estes tenham dono.


II.                 Cumpre agora conhecer do mérito da causa. A necessidade de intervenção do Ministério Público funda-se na defesa de interesses públicos especialmente relevantes, bem como de valores constitucionalmente protegidos, conforme o n.º 2 do artigo 85º e o n.º2 do artigo 9º CPTA.
A saúde pública é um valor constitucionalmente protegido que assume neste caso concreto particular relevância (Vide n.º 1 do artigo 64º CRP).

III.              No que respeita à cedência do espaço por parte do Município do Dragão, entende o Ministério Público que não foram respeitados determinadas formalidades essenciais à validade do ato. Assim, atendendo à prova IV da contestação apresentada pela Sociedade Amigos dos Animais, a nível material, o dever de fundamentação, consagrado no art.º 124.º CPA não foi observado por parte do Município, por inexistência de qualquer exposição dos fundamentos de facto e de direito do despacho proferido, conforme imposto pelo n.º 1 do artigo 125.º CPA.

Vem os demandados, no artigo 5 da contestação, alegar a existência de um acordo entre as partes contratantes, relativas à não execução de qualquer obra de manutenção do espaço, no entanto, o Ministério Público considera que não foi cumprida uma formalidade essencial do procedimento administrativo, porquanto houve ausência da audiência dos interessados, por parte do Município, à Sociedade Protetora dos Animais para que esta pudesse manifestar-se da proibição da realização das obras de adaptação do espaço a ceder, nos termos do n.º 1 do artigo 100.º CPA.

IV.     Quanto à licença de utilização não pode ser afastada, atendendo ao n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de dezembro, pelo que o Ministério Público entende que a exigência da licença de funcionamento a emitir pelo Diretor-Geral de Veterinária, é um requisito legal pelo que o facto de a cedência do espaço por parte do Município ter sido “temporária”, não pode excluir o respeito pelo princípio da legalidade.

Para além disso, a não observância do preceito legal acima mencionado põe igualmente em causa a ratio do preceituado no n.º 5 do artigo 8º do Decreto-Lei supra, contribuindo, assim, a omissão do preceito legal para pôr em causa o direito fundamental à saúde quer dos funcionários das instalações como dos moradores residentes na Rua Freud.
Considera também o Ministério Público que, a violação da omissão do prescrito no n.º1 do artigo 3º do Decreto-Lei 315/2003, de 17 de Dezembro, leva ao surgimento dum problema de saúde pública.

V.                Analisando a questão da proibição do Município da feitura de qualquer tipo de obras, incluindo as de manutenção, acontece que, em conformidade com o art.º 115º do regulamento geral das edificações urbanas (RGEU), “as instalações para alojamento de animais somente poderão ser consentidas nas áreas habitadas ou suas imediações quando construídas e exploradas em condições de não originarem, direta ou indiretamente, qualquer prejuízo para a salubridade e conforto das habitações”.

Deste modo, se ficar provado em audiência de julgamento o mau estado de conservação bem como a ausência de higienização nas instalações onde estão instalados os animais haverá, consequentemente, uma violação de imperativos legais, considerando o risco para a saúde dos habitantes dos edifícios anexos às instalações em causa. Assim, o princípio da legalidade estará a ser, uma vez mais, violado pondo em risco, não só a saúde pública dos moradores, máxime, o direito ao ambiente, como também a segurança urbanística quer dos funcionários da Sociedade Protetora dos Animais como dos moradores das residências envolventes.

VI.              Atendendo ao artigo 28º da Contestação do Município segundo o qual “será melhor manter os cães nas instalações do que na via pública”, o Ministério Público considera que tal será inconcebível, dado que admitir tal realidade seria afastar os deveres a que a Câmara está vinculada atendendo à alínea ii) e kk) do n.º1, artigo 33º da Lei 75/ 2013, de 12 de Setembro.
Assim, a Câmara não pode esvaziar as suas competências alegando que “pediu colaboração à SPA” (vide n.º 20º da Contestação do Município do Dragão), pelo que a Câmara é o órgão responsável do Município para zelar, quer pela saúde dos seus munícipes, quer para proceder à captura, alojamento e abate de canideos, bem como deliberar sobre a deambulação e extinção de animais considerados nocivos.


Tendo em conta o acima exposto, considera o Ministério Público que a Acão especial por parte dos Amigos do Bobby, ONGA deve ser julgada procedente, devendo resultar desta procedência a condenação dos demandados.
Pede o Ministério Público, em especial, a condenação do Município, à pratica do ato devido, considerando que estão em causa a ofensa de direitos fundamentais, de interesses públicos e valores referidos no n.º 2 do art.º 9.º por remissão do art.º 66.º e alínea c) do art.º 68 do CPTA.


Cumpra-se a legalidade,

O Ministério Público


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