Exmos. Juizes do Supremo Tribunal
Administrativo de Lisboa,
O
Ministério Público vem ao abrigo do n.º2 do art.º 85 do Código de Processo dos
Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º 1 art.º 219 da Constituição da
República Portuguesa (CRP), pronunciar-se sobre mérito da causa, em defesa dos valores
e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, a qualidade de
vida dos animais, direitos fundamentais dos cidadãos e interesses públicos nos
termos do n.º 2 do artigo 9.º CPTA.
Chegado
ao Tribunal Administrativo de Circulo do Dragão, a petição inicial que deu
origem ao presente processo n.º 129/2014, foi fornecida cópia da mesma e respetiva
contestação a este Ministério Público, nos termos do n.º 1 do art.º 85 CPTA.
I.
A 1 de Maio de 2002, o Município do Dragão,
melhor identificado na petição inicial interposta pelos Amigos do Bobby, ONGA, cedeu a título provisório as antigas
instalações fabris citas na Rua Freud, lote 45 à Sociedade Protetora dos
Animais.
Na
cedência de instalações autorizada pelo Município, este emitiu um despacho não
autorizando a realização de quaisquer obras, mesmo de manutenção, baseada no
fundamento da provisoriedade da cedência do espaço.
Decorridos
doze anos a ONGA Amigos do Bobby vem
intentar uma ação especial contra a Sociedade Protetora dos Animais e o
Município do Dragão, havendo no caso sub
judice uma coligação de dois demandados (art.º 12.º CPTA),com fundamento na
degradação das instalações, falta de qualidade de vida dos animais da qual
resulte perigo para a saúde pública.
A
autora alega ainda que nas referidas instalações fabris se encontram animais
capturados pela Sociedade Protetora dos
Animais, embora estes tenham dono.
II.
Cumpre
agora conhecer do mérito da causa. A necessidade de intervenção do Ministério
Público funda-se na defesa de interesses públicos especialmente relevantes, bem
como de valores constitucionalmente protegidos, conforme o n.º 2 do artigo 85º
e o n.º2 do artigo 9º CPTA.
A
saúde pública é um valor constitucionalmente protegido que assume neste caso
concreto particular relevância (Vide
n.º 1 do artigo 64º CRP).
III.
No
que respeita à cedência do espaço por parte do Município do Dragão, entende o
Ministério Público que não foram respeitados determinadas formalidades
essenciais à validade do ato. Assim, atendendo à prova IV da contestação
apresentada pela Sociedade Amigos dos Animais, a nível material, o dever de
fundamentação, consagrado no art.º 124.º CPA não foi observado por parte do Município,
por inexistência de qualquer exposição dos fundamentos de facto e de direito do
despacho proferido, conforme imposto pelo n.º 1 do artigo 125.º CPA.
Vem
os demandados, no artigo 5 da contestação, alegar a existência de um acordo
entre as partes contratantes, relativas à não execução de qualquer obra de
manutenção do espaço, no entanto, o Ministério Público considera que não foi
cumprida uma formalidade essencial do procedimento administrativo, porquanto
houve ausência da audiência dos interessados, por parte do Município, à
Sociedade Protetora dos Animais para que esta pudesse manifestar-se da proibição
da realização das obras de adaptação do espaço a ceder, nos termos do n.º 1 do
artigo 100.º CPA.
IV.
Quanto
à licença de utilização não pode ser afastada, atendendo ao n.º 1 do artigo 3º
do Decreto-Lei n.º 315/2003, de 17 de dezembro, pelo que o Ministério Público entende
que a exigência da licença de funcionamento a emitir pelo Diretor-Geral de Veterinária,
é um requisito legal pelo que o facto de a cedência do espaço por parte do Município
ter sido “temporária”, não pode excluir o respeito pelo princípio da
legalidade.
Para além disso, a não observância
do preceito legal acima mencionado põe igualmente em causa a ratio do preceituado no n.º 5 do artigo
8º do Decreto-Lei supra, contribuindo, assim, a omissão do preceito legal para
pôr em causa o direito fundamental à saúde quer dos funcionários das instalações
como dos moradores residentes na Rua Freud.
Considera também o Ministério
Público que, a violação da omissão do prescrito no n.º1 do artigo 3º do Decreto-Lei
315/2003, de 17 de Dezembro, leva ao surgimento dum problema de saúde pública.
V.
Analisando
a questão da proibição do Município da feitura de qualquer tipo de obras,
incluindo as de manutenção, acontece que, em conformidade com o art.º 115º do regulamento geral das edificações urbanas (RGEU),
“as instalações para alojamento de
animais somente poderão ser consentidas nas áreas habitadas ou suas imediações
quando construídas e exploradas em condições de não originarem, direta ou indiretamente,
qualquer prejuízo para a salubridade e conforto das habitações”.
Deste
modo, se ficar provado em audiência de julgamento o mau estado de conservação bem
como a ausência de higienização nas instalações onde estão instalados os
animais haverá, consequentemente, uma violação de imperativos legais, considerando
o risco para a saúde dos habitantes dos edifícios anexos às instalações em
causa. Assim, o princípio da legalidade estará a ser, uma vez mais, violado
pondo em risco, não só a saúde pública dos moradores, máxime, o direito ao ambiente, como também a segurança urbanística quer
dos funcionários da Sociedade Protetora dos Animais como dos moradores das residências
envolventes.
VI.
Atendendo
ao artigo 28º da Contestação do Município segundo o qual “será melhor manter os
cães nas instalações do que na via pública”, o Ministério Público considera que
tal será inconcebível, dado que admitir tal realidade seria afastar os deveres
a que a Câmara está vinculada atendendo à alínea ii) e kk) do n.º1, artigo 33º
da Lei 75/ 2013, de 12 de Setembro.
Assim,
a Câmara não pode esvaziar as suas competências alegando que “pediu colaboração
à SPA” (vide n.º 20º da Contestação do
Município do Dragão), pelo que a Câmara é o órgão responsável do Município para
zelar, quer pela saúde dos seus munícipes, quer para proceder à captura, alojamento e abate de canideos, bem como deliberar sobre a deambulação e extinção de animais considerados nocivos.
Tendo
em conta o acima exposto, considera o Ministério Público que a Acão especial por
parte dos Amigos do Bobby, ONGA deve
ser julgada procedente, devendo resultar desta procedência a condenação dos
demandados.
Pede
o Ministério Público, em especial, a condenação do Município, à pratica do ato devido, considerando
que estão em causa a ofensa de direitos fundamentais, de interesses públicos e
valores referidos no n.º 2 do art.º 9.º por remissão do art.º 66.º e alínea c)
do art.º 68 do CPTA.
Cumpra-se
a legalidade,
O Ministério
Público
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