No que toca ao Princípio da
Legalidade, um dos muitos problemas que podem ser suscitados quanto
ao assunto é o de saber se este se concretiza da mesma maneira em
qualquer forma de actuação por parte da administração pública.
Em primeiro lugar, para que se
possa entender o cerne do problema, importa distinguir dois conceitos
essenciais: administração “prestadora” e administração
“agressiva”. A primeira modalidade consiste na actividade
constitutiva de direitos e vantagens aos particulares, bem como a
prestação de vários tipos de serviços e a concessão de apoios e
subsídios, entre muitos outros exemplos. A segunda modalidade
refere-se à administração num campo em que esta actua contra a
vontade dos particulares, prejudicando os seus direitos e interesses
sob pretexto de prossecução de um interesse público.
Como é sabido, a legalidade em
Direito Administativo pode ser encarada, por um lado, da perspectiva
do limite e, por outro, da do fundamento. Em geral quer isto dizer
que a administração pública só pode actuar quando uma norma
adequada o autorize e que não pode ser contrariada nenhuma norma
dentro do bloco jurídico relevante.
Questiona-se se o referido princípio
se deve aplicar da mesma forma independentemente da natureza da
actuação em causa. Quanto a este problema, existem essencialmente
duas posições que tem sido defendidas pela doutrina. Na doutrina
alemã, onde o problema suscita mais discussão, sustenta-se por um
lado (Jesch) que a o princípio da legalidade tem de ser encarado
como limite e fundamento de todos os actos da administração, sejam
eles de natureza prestadora ou “agressiva”. Porém, existem
autores (como Wolff) que defendem uma diferenciação: quando se
tratar de pôr em causa os direitos dos particulares a legalidade tem
de ser encarada na dupla acepção; no entanto, quando a
administração visar favorecer os particulares a legalidade pode ser
meramente considerada na sua face limitativa, não se exigindo uma
norma habilitante.
É verdade que o princípio da
legalidade foi desenvolvido com o intuito de garantir a defesa dos
direitos dos particulares perante o poder arbitrário e desmedido da
admnistração. Todavia, a questão deve ser analisada de um prisma
diferente no que concerne à actividade prestadora. Em grande parte
dos casos, esta actividade implica a utilização de bens e de
recursos cuja escassez impõe uma gestão criteriosa e ponderada. Se
se permitir que a administração distribua os recursos disponíveis
sem qualquer limitação nem critério é bem possível que haja uma
gestão ineficaz que levará certamente a um mau funcionamento dos
mais variados sectores em que a administração intervenha. Além
disso, também é muito provável que assim se abra caminho a muita
injustiça resultante de uma distribuição desigual de prestações
e serviços. Basta relembrar que praticamente todas as prestações
em causa dependem da utilização de fundos públicos, para os quais
contribuem todos os cidadãos através do pagamento de impostos, pelo
que não é aceitável admitir-se a aplicação de tais fundos sem
que para tal existam regras bem delineadas. A função principal da administração prestadora é prosseguir interesses públicos, mas não cabe à própria administração definir quais são nem satisfazê-los de forma alheia a qualquer tipo de regras. Este é, de um modo
geral, o pensamento sufragado pela generalidade do doutrina
portuguesa, nomeadamente dos professores Freitas do Amaral, Vieira de
Andrade e Esteves de Oliveira, entre outros.
No plano do ordenamento jurídico
português também parece sensato defender um entendimento íntegro
do princípio da legalidade no âmbito da administração prestadora.
O artigo 266º, 2 da Constituição impõe a todos os orgãos e
agentes da administração o respeito pelas normas jurídicas
vigentes. Face à letra do artigo, há que interpretar segundo o
princípio geral de que o intérprete não deve distinguir onde a lei
não faz; se o artigo não distingue entre a natureza da actuação, penso que deve entender-se que a administração deve estar sempre sujeita ao
princípio da legalidade na sua acepção ampla: só pode actuar
mediante autorização da lei e dentro dos limites da mesma.
Pedro Tavares Pereira, 140112026
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