A ideia de responsabilizar o Estado pelos seus atos –
isto é, de o obrigar a suportar as consequências destes – era desconhecida
antes de inícios do século xix: a manifestação
da vontade do soberano não podia gerar qualquer obrigação de indemnizar, segundo
a ideia vigente na sociedade de que o rei, enquanto representante máximo da
administração, não podia nunca estar errado e, como tal, a a Administração tão
pouco podia (the king can do no wrong).
A indemnização a particulares lesados por ato do poder não
estava excluída, mas dependia da boa vontade do soberano, estando sujeita a uma
enorme discricionariedade deste. Historicamente, já Laferrière, um dos fundadores do direito
administrativo, escrevia que próprio
da soberania era impor-se a todos e sem compensação (“le propre de la souveraineté est de s’imposer à tous sans compensation”),
sendo que Duguit, por sua vez, acrescentava, mais recentemente que soberania e
responsabilidade eram duas noções que se excluíam (“souveraineté et responsabilité sont deux notions qui s’excluent”).
Note-se que nesta época predominava o entendimento de que
o vínculo jurídico entre o funcionário público e o Estado se enquadrava no mandato
civil, pelo que somente os atos legais daquele seriam imputáveis a este. Quanto
aos atos ilegais, praticados necessariamente contra mandato – porque este não
poderia cobrir a ilegalidade –, apenas originavam responsabilidade pessoal para
os seus autores, originando, assim, receios capazes de paralisar os
funcionários da Administração no desempenho das suas funções, bem como
dificuldades para os cidadãos lesados por funcionários insolventes.
A primeira tentativa de fundar a obrigação de indemnizar
prejuízos causados a particulares por parte do Estado em princípios autónomos,
não reconduzíveis ao direito civil, foi o célebre acórdão Blanco, proferido em 8 de Fevereiro de 1873 pelo Tribunal de
Conflitos Francês. O acórdão resulta de um caso em que uma menina de cinco anos é atropelada por um vagão de uma empresa pública de tabaco de Bordéus. Em
resultado deste acontecimento, os pais de Agnès Blanco pediram, junto do
Tribunal de Bordéus uma indemnização, sendo que este recusou conhecer o pedido
alegando para tal porque era incompetente na matéria, dado que estava em causa a atuação
de uma autoridade administrativa e, no Código Civil, não havia normas aplicáveis
a situação. Foi, então, que os pais da menina se dirigiram ao Conselho de
Estado, mas a resposta foi idêntica à do primeiro tribunal, argumentando o Conselho
de Estado que era incompetente pois não se tratava do recurso de um ato administrativo,
além de que não havia lei para ser aplicada, uma vez que não se tratava de uma
relação entre particulares. Perante este conflito negativo de jurisdições, o Tribunal
de Conflitos foi chamado a pronunciar-se, tendo considerado que o caso era da
competência da Justiça Administrativa, e que, na ausência de lei, era
necessário criar normas jurídicas especialmente destinadas a proteger a
Administração, também em matéria de responsabilidade civil, desta forma
afirmando a necessária autonomia do Direito Administrativo.
Assim,
o que podemos retirar deste acórdão é que afirmou expressamente a competência
dos tribunais administrativos em matéria de responsabilidade do Estado.
Note-se, ainda, que durante muito tempo se considerou que somente os atos praticados no
exercício da função administrativa poderiam gerar responsabilidade do Estado;
quanto aos atos legislativos e aos atos do poder judicial, estes seriam insuscetíveis
de tal consequência. Esta era a opinião jurídica dominante em Portugal, até há
poucos anos. De resto, não obstante o entendimento maioritário na doutrina de
que a Constituição já funda suficientemente tal direito, foi preciso esperar
até ao novo regime legal para que o legislador ordinário reconhecesse
expressamente, como princípio de âmbito geral, o direito à reparação pelo
Estado dos prejuízos causados por atos legislativos e jurisdicionais.
Rui de Figueiredo Ribeiro - 140112067
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